Multas contra o agro por calote em frete de caminhões crescem dez vezes em um ano, e setor apela ao STF

André Borges

Brasília

As multas aplicadas contra o agronegócio por descumprimento do piso mínimo do frete dos caminhoneiros registraram uma escalada sem precedentes neste ano, levando produtores a recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) em uma tentativa de derrubar a regra.

Até o fim de outubro, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) já tinha emitido 41.991 multas contra empresas do agro neste ano, um aumento dez vezes superior ao volume de autuações de todo o ano de 2024, quando foram aplicados 4.287 autos de infração pela agência.

O valor total das multas também deu um salto, saindo de R$ 18,9 milhões em 2024 para mais de R$ 127 milhões até o dia 23 de outubro deste ano.

Por trás do aumento abrupto está a maior fiscalização da ANTT sobre a obrigatoriedade de as empresas seguirem a tabela de valores mínimos para o transporte rodoviário de cargas.

Sempre que o frete é contratado por um valor inferior ao piso definido pela agência, um cálculo que leva em conta apenas os custos operacionais do transporte (sem considerar o lucro), a multa recai sobre quem contratou o serviço, ainda que o caminhoneiro tenha aceitado o preço e que o valor praticado seja incompatível com as condições do mercado.

Inconformada com as autuações, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) acionou o STF na semana passada para pedir a suspensão da lei do frete. O caso está em análise pela corte.

“O estabelecimento do piso, da forma como posta hoje, apenas impede o adequado funcionamento da economia. Piora-se a situação quando se observa a elevação do montante de multas aplicadas pela situação hoje vivenciada”, diz a CNA, na ação que apresentou ao STF.

Segundo a confederação, a lei do frete “acaba por instituir instrumento de intervenção na economia” que eleva o lucro de determinada categoria em detrimento de outras.

“As multas chegam a montantes elevados, trazendo verdadeiros problemas para os embarcadores [produtores]”, diz a CNA. A instituição alega que a situação atual ocasiona “iminente inviabilidade da contratação de transportadores autônomos de cargas”.

A tabela de frete foi criada em 2018, quando houve uma crise generalizada no abastecimento rodoviário nacional devido à paralisação de caminhoneiros. As greves e protestos levaram o governo a construir uma resposta rápida para oferecer renda mínima aos transportadores autônomos, aqueles que atuam com o próprio caminhão.

A solução encontrada à época foi estabelecer um piso de frete obrigatório, com o objetivo de proteger os autônomos da pressão de negociação das grandes empresas e evitar novas paralisações no país.

Sete anos depois, porém, o serviço de transporte segue sob pressão, e o agronegócio afirma que a política deixou de cumprir sua promessa original. Segundo dados da CNA, os transportadores autônomos perderam espaço no mercado desde a publicação da lei, reduzindo sua participação de 53,7% para 33,4% da frota registrada.

No mesmo período, empresas transportadoras e cooperativas ampliaram a atuação, com frota mais nova e menor custo operacional, o que teria aumentado a desigualdade competitiva no setor. A CNA afirma que, em vez de fortalecer o caminhoneiro independente, a política teria contribuído para sua fragilização.

Mais objetivamente, a crítica do agro se concentra no chamado “frete de retorno”, o trajeto de volta do caminhoneiro, que é feito após a entrega da carga em seu destino. No mercado, esse trecho costuma ter preço menor, pois o caminhão precisa retornar de qualquer forma. Entretanto, como a tabela não diferencia ida e volta, o contratante é obrigado a pagar o piso mínimo também no retorno.

Questionada pela Folha sobre o assunto, a CNA não se manifestou.

A ANTT defendeu a regra e disse que a lei tem “o objetivo de assegurar que os valores contratados para o frete remunerado de cargas cubram, no mínimo, os custos operacionais da atividade de transporte“.

“Essa política busca garantir condições sustentáveis de remuneração para todas as categorias de transportadores remunerados”, declarou.

A agência disse que tem feito revisões regulares no texto, por meio de contribuições recebidas em consultas e audiências públicas, para aperfeiçoar as regras.

Em 2018, o ministro do STF Luiz Fux chegou a conceder uma liminar que suspendia a aplicação de multas pela ANTT por descumprimento da tabela de frete mínimo. Logo depois, essa decisão caiu, e as autuações voltaram a valer.

O presidente da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores), Wallace Landim, conhecido como Chorão, defende a lei e cobra aprimoramentos.

“Temos lutado para ter a garantia do mínimo. O agro é que não cumpre a tabela do custo mínimo, que sequer embute lucro. Queremos ter a garantia de trabalho, não a escravidão do segmento do transporte”, diz Landim.

Questionado sobre a queda no número de trabalhadores autônomos, ele diz que se trata de uma consequência de diversos fatores sem relação com o frete. “Há dificuldades de renovação da categoria, por falta de estrutura mínima de segurança, o alto custo de renovação da frota, e ainda querem acabar com o frete mínimo.” Na última década, o número de pessoas autorizadas a dirigir um caminhão caiu 62,89% no país, segundo o Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito). Entre os motoristas com CNH (Carteira Nacional de Habilitação) da “categoria C”, eram 3.582.685 condutores habilitados em 2014, ante 1.329.455 no ano passado.


Fonte: Folha de São Paulo

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