Taxação prejudica investimentos e reforça ímpeto arrecadatório do governo, dizem especialistas
São Paulo
A MP (medida provisória) publicada nesta quarta (11) pelo governo Lula para elevar a arrecadação de impostos e compensar um recuo parcial na alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) acendeu alerta no mercado de investimentos, que até o momento operava com uma série de isenções ou alíquotas escalonadas conforme o tipo de operação.
A medida prevê a cobrança 5% de Imposto de Renda sobre títulos de renda fixa atualmente isentos, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola), além de uma alíquota fixa de 17,5% para outras aplicações que hoje variam de 15% a 22,5%, a depender do prazo e do montante aplicado.
A padronização das alíquotas e o fim das isenções nas letras de crédito foram criticadas pela Abradin (Associação Brasileira de Investidores). Aurélio Valporto, presidente da entidade, afirma que as mudanças visam somente a arrecadação, embora algumas delas tenham o “condão de inibir, ao menos parcialmente, atividades deletérias para a economia”, como as taxações sobre bets e aluguéis de ações.
Ele também diz concordar com o aumento da tributação sobre JCP (Juros sobre Capital Próprio), de 15% para 20%, pois a remuneração do capital de risco é o lucro.
“No geral, é uma medida lamentável, que acaba por prejudicar a economia, drenando poupança privada para financiar mero custeio governamental, mas também por aumentar a carga tributária do país, que já se encontra em patamares sem igual em relação à produtividade da economia”, disse Valporto.
MERCADO CRIPTO É AFETADO
O setor de criptomoedas foi diretamente impactado. Atualmente, as movimentações mensais até R$ 35 mil são isentas da cobrança do Imposto de Renda. Pelas regras apresentadas na MP desta quarta, caíram as isenções e o escalonamento que antes variava de 15% a 22,5% conforme os valores subiam, foram padronizados em 17,5%.
Para Regina Pedroso, diretora executiva da ABToken (Associação Brasileira das Empresas Tokenizadoras de Ativos e Blockchain) a tendência com a novidade é afastar os investidores do setor.
“A MP prejudica a expansão positiva do mercado no Brasil, em que o foco para melhorar o impacto social e econômico deveria ser a regulação, que deve ser prejudicada, inclusive. O setor, e todo um trabalho positivo feito pelo Banco Central, não foi considerado pelo governo”, diz Pedroso.
No texto da Medida Provisória, o governo estabeleceu que todos os ativos virtuais serão enquadrados na nova regra, de criptoativos a arranjos financeiros relacionados. Para o setor, a nova regra amplia o escopo da tributação, mas a falta de diferenciação entre os tipos de ativos pode gerar insegurança jurídica, dificultando a adaptação do mercado à nova realidade fiscal.
Como mostrou a Folha, a definição de uma proposta de regulamentação da tributação sobre as transações com criptomoedas depende de uma discussão do Ministério da Fazenda com o Banco Central. A ideia é enquadrar essas operações no mercado de câmbio.
PRÓS E CONTRAS DA MEDIDA
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que o fim das isenções sobre LCAs e LCIs encarece o crédito, com efeito direto sobre os investimentos, mas a dimensão disso ainda não é clara.
O aumento de taxação de apostas esportivas é “preferível”, diz Vale, por atingir um tipo de bem passível desse tipo de imposto, como bebida e cigarro.
Segundo o economista, há uma ideia de que aproximar a taxação de todos os investimentos, e cobrar 5% de imposto em LCA e LCI seria o começo disso, mas o foco do esforço fiscal deveria ser cortar gastos do governo.
“Mesmo o corte de 10% lineares no gasto tributário é excessivamente vago, há uma bronca maior por conta da insistência do governo em seguir ajustando só via arrecadação.” Vanessa Rahal Canado, professora do Insper e ex-assessora do Ministério da Economia entre 2019 e 2021, afirma que é melhor começar a acabar com as isenções do que mexer no IOF.
Fonte: Folha de São Paulo