Haddad critica ‘política hostil’ dos EUA, defende isenção do IR e comenta prejuízos de estatais

BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou a postura dos Estados Unidos em relação às negociações sobre o tarifaço aplicado contra produtos brasileiros. Ele voltou a relatar que o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, cancelou uma reunião previamente agendada com a alegação de “falta de agenda”, mas recebeu em seguida o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). E chamou a política econômica dos americanos de “hostil”, reforçando que isso reduzirá a importância do comércio com os EUA.

A fala foi feita em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, que vai ao ar neste domingo, 31, poucos dias após o Brasil decidir acionar a Lei da Reciprocidade Econômica contra os EUA. Conforme adiantou o Estadão/Broadcast, o governo brasileiro já enviou a comunicação oficial sobre a provável retaliação ao governo norte-americano.

“Recebi um e-mail do secretário do Tesouro dos EUA, marcando horário e dia para a reunião virtual. Depois do cancelamento, alegadamente por falta de agenda, ele recebeu o Eduardo Bolsonaro”, afirmou Haddad. Segundo ele, esse tipo de gesto coloca em questão a disposição real da Casa Branca em dialogar sobre a crise comercial.

O acionamento da lei da reciprocidade foi uma resposta ao processo aberto pelos EUA, no mês passado, que taxou parte expressiva das exportações brasileiras. A medida estabelece um prazo de até 210 dias para que haja efetivação, criando paridade de condições entre as duas nações durante as consultas e trocas de informações. Interlocutores envolvidos afirmam que, apesar do processo formal, a prioridade do governo Lula segue sendo a negociação direta com a administração Donald Trump.

Na entrevista, ele afirmou que a política econômica dos Estados Unidos, da forma atual, acarretará redução da relevância do país para as exportações brasileiras. “Representavam, no começo do século, 25% das nossas exportações. Hoje é 12%. E a tendência, a manter essa política hostil, é cair mais”, disse .

Segundo o ministro, a postura adotada pela Casa Branca tem dificultado a retomada de um diálogo construtivo. Haddad destacou que o Brasil e os Estados Unidos são “países amigos há 200 anos”, mas que não houve, por parte do governo norte-americano, qualquer manifestação de vontade em abrir negociações.

Qual é a alternativa que se dá, digna, a um país das dimensões e importância do Brasil?”, questionou o ministro. O Brasil é o país com maior taxa para exportações aos norte-americanos.

Haddad disse que, diante desse cenário, o Brasil tem intensificado a busca por novos mercados. “Temos um fluxo crescente de comércio exterior e o presidente Lula não faz outra coisa a não ser abrir mercados, do ponto de vista da política externa”, afirmou.

O ministro chamou atenção para a expectativa internacional em relação a possíveis adaptações nas medidas que vêm sendo anunciadas pela Casa Branca. Para ele, há pressões que começam a surtir efeito. “Entendo que a ação dos empresários brasileiros já se fez notar de alguma maneira”, disse.

Isenção do imposto de renda

Em outro trecho da entrevista ao Canal Livre, Haddad voltou a defender o projeto que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil. Ele destacou que a proposta é “neutra do ponto de vista fiscal” e pretende corrigir desigualdades históricas. “Para beneficiar 15 milhões de brasileiros, vamos cobrar de 141 mil milionários que não pagam Imposto de Renda”, afirmou.

Questionado sobre o desempenho das estatais, o ministro reconheceu os prejuízos dos Correios como o caso mais delicado. “Os Correios têm um problema estrutural que é o enorme subsídio daquilo que ficou para ele. Porque quem concorre com os Correios não tem obrigação de entregar carta, ele só faz aquilo que compensa”, explicou.

O ministro da Fazenda também afirmou que o elevado patamar de juros no País não pode ser atribuído ao quadro fiscal e disse que “10% de juro real é muito restritivo”, sendo “um peso muito grande”. “Na minha opinião, muitas vezes o juro no Brasil se presta a outra função, que é nós moderarmos o comportamento do dólar”, afirmou.

Ao ser questionado se a situação das contas públicas explicaria o excesso de juros, Haddad discordou: “Não é isso que explica o excesso de juro real no Brasil”. O ministro reconheceu, no entanto, que o ambiente de desconfiança no mercado influencia o cenário.

A questão fiscal tem sido um dos principais pontos de crítica do mercado financeiro ao governo, sob a avaliação de que há “descontrole de gastos”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, afirma que muitos dos recursos contabilizados como despesa deveriam ser tratados como investimento. Apesar das críticas à condução da política monetária, Haddad ponderou que as diferenças em relação ao Banco Central devem ser encaradas de forma natural. Ele ressaltou que cabe ao Comitê de Política Monetária (Copom) definir a taxa básica de juros e observou que a nova composição, com maioria de diretores indicados pelo atual governo, manterá o caráter técnico das decisões.


Fonte: Estadão

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