Moraes diz que bancos podem ser punidos se aplicarem sanções dos EUA a ativos brasileiros
Ministro do STF defende sinalização de Flávio Dino sobre aplicação da Lei Magnitsky, enquanto instituições financeiras vivem dilema sobre qual regra seguir
São Paulo
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse à agência Reuters que tribunais brasileiros podem punir instituições financeiras nacionais que bloquearem ou confiscarem ativos domésticos em resposta a ordens norte-americanas.
As declarações foram dadas em meio a um impasse que derrubou as ações de bancos brasileiros na terça-feira (19), com perda de R$ 41,3 bilhões em valor de mercado. Nesta quarta-feira (20), os papéis ensaiaram uma recuperação (o Santander, com alta de 2,08%, liderou o movimento).
Em entrevista em seu gabinete em Brasília, Moraes reconheceu que a atuação da Justiça dos EUA em relação aos bancos brasileiros que têm operações nos Estados Unidos “é da aplicação da lei norte-americana”
Agora, da mesma forma, se os bancos resolverem aplicar a lei internamente, eles não podem. E aí eles podem ser penalizados internamente”, acrescentou.
As declarações de Moraes apontam para as possíveis consequências da decisão de segunda-feira do ministro do STF Flávio Dino, que considerou que ordens judiciais e executivas de governos estrangeiros só têm validade no país se confirmadas pelo Supremo.
A sinalização elevou os temores no setor bancário. Presidentes e diretores de instituições financeiras ouvidos pela Folha afirmam que o caso atingiu níveis preocupantes e que pode escalar ainda mai
A posição do Supremo coloca as empresas do setor num dilema: cumprir a determinação doméstica ou preservar o acesso ao sistema financeiro global.
O risco não se restringe às autoridades sancionadas. Um bloqueio no acesso ao Swift, rede global que conecta mais de 11 mil instituições em 200 países, poderia atingir a economia brasileira como um todo, com impactos sobre crédito, câmbio, juros e fluxo de capitais.
“A abordagem estritamente de análise dos bancos fica com muitas incógnitas, já que não sabemos se virão retaliações pela frente”, diz Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Rating.
O Departamento do Tesouro dos EUA sancionou Moraes no mês passado com base em na Lei Magnitsky, criada para impor penalidades econômicas a estrangeiros considerados corruptos ou violadores de direitos humanos.
O órgão acusou o ministro de suprimir a liberdade de expressão e liderar processos politizados, incluindo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado fiel de Trump que será julgado em breve pelo STF acusado de tramar um golpe para reverter sua derrota nas eleições de 2022. Bolsonaro nega ter cometido qualquer crime e diz ser alvo de perseguição política.
Moraes afirmou à Reuters que decisões de tribunais e governos estrangeiros só podem ter efeito no Brasil após validação por meio de um processo doméstico. Segundo ele, portanto, não é possível confiscar bens, congelar fundos ou bloquear propriedades de cidadãos brasileiros sem seguir esses trâmites legais.
Embora tenha afirmado que o uso da Lei Magnitsky tenha sido “totalmente equivocado” contra ele, Moraes disse estar confiante de que conseguirá reverter as sanções contra ele por meio de canais diplomáticos ou de uma eventual contestação nos tribunais dos EUA. Mas reconheceu que, por ora, elas colocaram instituições financeiras em uma situação difícil.
“Esse desvio de finalidade na aplicação da lei coloca até instituições financeiras em uma situação difícil. E não são só instituições financeiras brasileiras, mas são seus parceiros norte-americanos”, disse.
“Exatamente por isso que é importante, eu repito, o canal diplomático para que isso seja logo solucionado para não desvirtuar a aplicação de uma lei que é importante contra o terrorismo, contra organizações criminosas, contra o tráfico internacional de drogas, contra o tráfico internacional de seres humanos”, acrescentou.
O Departamento de Estado não respondeu de imediato a um pedido de comentário. Um porta-voz do Tesouro afirmou que Moraes “cometeu sérios abusos contra os direitos humanos”.
SEM ESCOLHA
O embate pode ter consequências sérias para instituições financeiras brasileiras, disseram dois banqueiros do país que pediram anonimato para falar sobre o assunto.
O ex-diretor de um banco internacional no Brasil comentou que a maioria dos grandes bancos é supervisionada de alguma forma pelo governo dos EUA devido à sua presença internacional ou exposição, seja por meio de uma filial estrangeira ou pela emissão de títulos no exterior.
A escolha para esses bancos, sob pressão dos EUA, pode ser convidar clientes sancionados a buscar outra instituição para manter seus ativos, acrescentou o banqueiro.
O diretor de um grande banco brasileiro afirmou que, na prática, a decisão judicial de segunda-feira significa que qualquer ação tomada por bancos brasileiros com base em regras envolvendo o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Tesouro dos EUA, que supervisiona sanções norte-americanas, precisará de aprovação do Supremo.
Ao mesmo tempo, o diretor acrescentou que deixar de cumprir uma decisão do OFAC pode cortar o acesso de um banco ao sistema financeiro internacional. Para ele, o Brasil não tem escolha, já que, devido à interconexão atual, a disparidade de poder econômico entre os dois países coloca o Brasil em uma posição de subordinação.
Ele ressaltou que o tribunal precisará encontrar uma solução que não coloque o sistema financeiro em risco.
Como informou a coluna Mônica Bergamo, banqueiros voltaram a procurar integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) na terça para dialogar sobre as sanções previstas na Lei Magnitsky. Não houve, contudo, consenso sobre aplicação das regras no Brasil.
Para o mercado, há uma possibilidade a ser explorada: pela legislação, bancos podem encerrar contas de clientes de forma unilateral.
Relatório do BTG Pactual aponta que esse é um caminho lícito. “Nesse contexto, o encerramento preventivo, antes de notificações formais, reduz, de forma significativa e simultânea, o risco de questionamento no Brasil e de sanções nos EUA”, diz o documento.
“Apesar das falas duras, Moraes também disse que entende a posição dos bancos. Por decisão unilateral, um banco pode encerrar o relacionamento com qualquer cliente, então, talvez de forma preventiva, os bancos optem por esse movimento de convidar os ministros afetados para encerrar as operações nos devidos sistemas que possuem. O mercado já enxerga isso como uma alternativa ao dilema”, pontua Gustavo Trotta, especialista e sócio da Valor Investimentos. Danilo Coelho, economista e especialista em investimentos, também avalia que os bancos não precisam justificar o encerramento de contas. “Eles têm essa prerrogativa. A não ser, claro, que venha outro despacho que proíba os bancos de encerrarem contas de ministros ou algo do tipo”, afirma.
Fonte: Folha de São Paulo