O que motiva Trump a tentar intervir na política, na Justiça e na economia brasileiras?
Rolf Kuntz
Nocivo ao mundo e aos padrões de coexistência consagrados nos últimos 80 anos, o presidente Donald Trump tenta intervir na política, na Justiça e na economia brasileiras. Ameaça com barreiras comerciais, tenta mexer no sistema financeiro e procura defender Jair Bolsonaro, conhecido por ter-se quase ajoelhado, numa visita à Casa Branca, diante de seu chefe americano.
As ações de Trump contra o Brasil sucedem à campanha antibrasileira realizada em Washington por Eduardo Bolsonaro, deputado federal residente nos Estados Unidos, bem remunerado por muito tempo e pouco afeito ao trabalho.
Mais empenhado em mandar no mundo do que em governar seu país, o presidente Trump ofereceu aos Estados Unidos, em seus primeiros meses de mandato, maiores barreiras comerciais, tributos aumentados e maiores custos de produção. Além disso, tentou intervir no Federal Reserve, Fed, o banco central, e atacou de modo grosseiro o presidente da instituição, Jerome Powell, figura há muito conhecida e respeitada no mundo financeiro e econômico.
Nem todos os governantes admitem facilmente a autonomia de um banco central. Presente há mais de um século na maior parte do mundo avançado, essa condição é malvista por políticos mais propensos a defender os propósitos e interesses dos governantes do que a disciplina fiscal e monetária. Trump foi repelido quando tentou, no início de seu atual mandato, intervir no Fed.
Incapaz, até agora, de comandar a política monetária e, portanto, as decisões sobre os juros básicos de seu país, Trump se volta para outras áreas de ação e para os propósitos — mais ambiciosos — de interferir no resto do mundo. A recente romaria de autoridades europeias à Casa Branca mostra o peso atribuído por dirigentes de potências capitalistas ao presidente dos Estados Unidos.
A grande pauta dos últimos dias, no mundo rico, foi o risco de uma crise maior entre Ucrânia e Rússia, com menor atenção aos direitos do país invadido e vitória diplomática, obviamente, de Vladimir Putin.
Embora forçado, politicamente, a cuidar do problema europeu, o presidente americano ainda conseguiu ouvir os lamentos de Eduardo Bolsonaro e dar atenção às dificuldades políticas e legais de Jair Bolsonaro, um político já condenado e inelegível e ainda arriscado a novas condenações.
Alguns poderão apontar simpatia pessoal e afinidade ideológica entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, mas o comportamento do presidente americano é explicável também por outros fatores. É de seu interesse, obviamente, ampliar seu poder sobre a América do Sul. O apoio a políticos simpáticos às suas pretensões pode ser um modo barato de consolidar sua influência na região. A boa relação de Trump com o presidente argentino é conhecida. Falta fortalecer sua influência sobre autoridades brasileiras e, se possível, sobre o empresariado. Pode parecer estranho cuidar desse projeto e ao mesmo tempo impor um tarifaço ao País. Mas a estranheza tende a diminuir quando 35% dos brasileiros, segundo pesquisa recente, atribuem ao presidente Lula a responsabilidade pelas novas tarifas. Trump terá antecipado esse detalhe?
Fonte: Estadão