Lei Magnitsky tem níveis? Especialistas explicam como devem funcionar as punições a Moraes
BRASÍLIA — As sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após os Estados Unidos punirem o magistrado com a Lei Magnitsky,podem ser graduais e escalarem ao longo do tempo, levando Moraes às punições mais duras em até um ano, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão.
O governo de Donald Trump aplicou a Lei Magnitsky contra Moraes no dia 30 de julho, a mesma punição dada a estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos. A medida é inédita contra um cidadão brasileiro. O alcance completo é imprevisível, segundo juristas.
Com base na lei, Moraes poderia ter bens e contas bloqueados nos Estados Unidos, se tivesse esses ativos no país americano, mas também ser proibido de ter conta bancária em bancos brasileiros e usar cartões de crédito como Visa e Mastercard, em função da relação das instituições financeiras com bancos americanos e com o Tesouro dos Estados Unidos.
Até mesmo uma conta na Apple, uma assinatura da Netflix e um perfil no Spotify podem ser negados ao ministro. Isso acontece porque empresas americanas podem ser punidas e pagar multas bilionárias se prestarem serviço a um sancionado pela Lei Magnitsky. Bancos brasileiros, por sua vez, podem encerrar a relação com Moraes por usarem sistemas americanos, operarem em dólar e terem relações com companhias dos EUA.
Quando a lei é aplicada, o sancionado já está sujeito a todas as restrições, mas não é tudo ao mesmo tempo”, diz o professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie Hugo Garbe. “Os magnatas russos punidos após o início da Guerra na Ucrânia em três meses receberam notificação de contas encerradas em plataformas digitais. Depois, ao longo do tempo, a pessoa não pode mais utilizar os cartões de crédito. Em até um ano, perde todos os acessos. Vai sangrando.”
O chefe global de Assuntos Corporativos do Swift, sistema de comunicação entre bancos usado por instituições brasileiras, Hayden Allan, se reuniu com o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, no último dia 14. O Swift é sediado na Bélgica e obedece à legislação da União Europeia (UE), e não às decisões dos EUA. “Hayden esclareceu que o Swift, sediado na Bélgica, segue o marco legal europeu e não está sujeito a sanções arbitrárias de países específicos”, afirmou Durigan após a conversa.
Especialistas comentam que a lei não é clara e nem objetiva sobre todas as sanções possíveis, o que aumenta a incerteza sobre o que acontecerá na prática contra Moraes, especialmente porque ninguém do Brasil havia sido punido.
“A aplicação da lei não ocorre em diferentes níveis, são as sanções que são aplicadas de forma gradual de acordo com a gravidade da conduta. Quanto mais grave a conduta, mais severa a aplicação, começando pela perda do visto até um bloqueio de serviço internacional como cartão de crédito e relação com companhia área”, explica a advogada criminalista Amanda Silva Santos.
O corte de relações bancárias e empresariais é apontado como a punição mais severa a um sancionado pela legislação americana. A alternativa para Moraes seria abrir uma conta em um banco regional que não dependa de relação com a moeda americana e pagar contas em dinheiro. Familiares e amigos não seriam punidos diretamente, mas poderiam se enquadrar nas sanções se o ministro usá-los para terceirizar suas movimentações financeiras.
“Por isso, o apelido da lei é morte financeira. A aplicação da lei inicia a partir da declaração do Poder Executivo americano, que inclui a pessoa como violadora dos direitos das liberdades públicas e da liberdade de expressão, e essa inclusão não acontece por camadas”, comenta Marcelo Figueiredo, professor associado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) “É uma lei de certo modo injusta porque é unilateral, pois não permite contestação e argumentação contrária.” Após ser punido pelos Estados Unidos, que pressiona o Brasil a interferir no processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes disse que iria ignorar as sanções no curso da ação penal. “Esse relator vai ignorar as sanções que lhe foram aplicadas e continuar trabalhando, como vem fazendo, tanto no plenário quanto na Primeira Turma, sempre de forma colegiada”, disse o magistrado.
Fonte: Estadão