Cade investiga casos de uso de inteligência artificial treinada sem aval de usuário

O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto Freitas de Lima, afirmou que o órgão concorrencial já tem investigação em curso sobre uso da inteligência artificial (IA), mas ainda em caráter sigiloso. De acordo com ele, o foco das preocupações está na utilização de IA treinada sem autorização de terceiros.

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“Nós já temos investigação em curso, todas sigilosas no momento, mas ainda não temos nenhuma investigação ostensiva (pública), mas o que eu posso adiantar é que nós vemos com preocupação o uso da inteligência artificial treinada sem autorização de terceiros”, disse o presidente em entrevista à Coluna.

Em novembro de 2024, quando entraram em vigor os novos termos do X (antigo Twitter), usuários criticaram o uso dos dados das contas para treinar o sistema de inteligência artificial da plataforma. A principal crítica se deu porque a mudança não oferece ao usuário a possibilidade de rejeitar a prática, algo visto nas redes da Meta (Instagram, Facebook e WhatsApp) e no LinkedIn.

Postagens são usadas para treinar robôs

Ao acessar a plataforma, o X pode usar as postagens e interações dos usuários para treinar a Grok AI – modelo de machine learning da empresa – sem a opção de desativação. A política de privacidade também foi atualizada e o novo texto afirma que o X poderá compartilhar essas informações com terceiros.

Em julho, a Meta havia sido questionada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) após atualizar seus termos de privacidade com o mesmo objetivo, e precisou incluir uma opção que permite aos usuários negarem o uso de seus dados no treinamento da Meta AI, a ferramenta de inteligência artificial da empresa.

As preocupações do Cade em torno deste tema são múltiplas, incluindo uso de propriedade intelectual de terceiros sem autorização, monopolização de tecnologia e até mesmo questões de venda casada, que não são exatamente novas, mas que, com a inteligência artificial, vão exigir respostas muito rápidas.

Órgão mantém conversas com outros países

O presidente do Cade disse que o órgão mantém diálogo com as empresas do setor e também com os parceiros nos Estados Unidos, na União Europeia, nos Brics e na América Latina, uma vez que esse mercado não é delimitado a fronteiras geográficas e as respostas das autoridades precisam estar coordenadas entre si.

“Não adianta a gente querer criar uma série de regras e querer emperrar esse processo e tentar ir contra avanços que vão produzir efeitos positivos”, pontuou Lima. Na visão dele, não há como parar a inovação, apenas discutir formas de se minimizar os riscos à livre concorrência. “Ou seja, como é que a gente mantém o mercado econômico de uma forma que as empresas consigam continuar competindo em condições justas”, resumiu.

Big techs

Em certa medida, a apuração sobre IA é um desdobramento das investigações em torno de big techs, que o Cade vem tocando há alguns anos. Sobre isso, o presidente do Cade disse que as investigações no âmbito do órgão (como nos casos da Apple e do Google versus jornais) são casos que estão “muito alinhados” ao que está acontecendo na União Europeia e nos EUA.

No caso da Apple, a Superintendência-Geral do Cade impôs uma medida preventiva, depois confirmada pelo tribunal com algumas considerações e, neste momento, o conselho está determinando o cumprimento da medida. A investigação gira em torno da taxa de 30% cobrada pela Apple sobre transações feitas nos aplicativos, o que, segundo o Cade, pode caracterizar venda casada e abuso de posição dominante. A denúncia foi feita pelo Mercado Livre, que alegou que a empresa impedia os desenvolvedores de informarem sobre métodos de pagamento alternativos e restringia a distribuição de aplicativos fora da App Store.

Já o julgamento envolvendo o Google News está suspenso, havendo recomendação do relator, o atual presidente do conselho, pelo arquivamento. A investigação gira em torno do uso de conteúdo jornalístico pelo Google sem remunerar veículos de mídia. A conclusão do caso é esperada para este ano.

À reportagem, Lima destacou que “nenhuma jurisdição ou instituição do mundo condenou” o Google em processos contra empresas de mídia. “Onde o Google foi obrigado a pagar para as indústrias de mídia foi por regulação. Ou seja, ou saiu uma lei, ou saiu algum ato regulatório de uma agência.”

Divisão de mercados digitais O Cade estuda a criação de uma divisão de mercados digitais, mas se baseia em referências internacionais, inclusive em termos de ritmo de investigação. “Principalmente na parte de mercados digitais, a gente trabalha de uma forma concertada, porque não adianta o Brasil querer fazer uma solução que não existe em outros países do mundo, ou que esteja muito diferente do que está sendo feito no mundo”, argumentou o presidente do conselho.


Fonte: Estadão

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