Entenda ponto a ponto o plano do governo para mitigar os efeitos do tarifaço
Estratégia terá ações com foco no fortalecimento do setor produtivo, na proteção aos trabalhadores e na diplomacia comercial
Grasielle Castro, Luísa Carvalho
plano de contingência apresentado pelo presidente Lula para mitigar os efeitos do tarifaço na economia brasileira inclui linha de crédito de até R$ 30 bilhões, extensão do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra) para todas as empresas que exportam para os EUA, reformulação no Fundo de Garantia à Exportação (FGE), entre outros. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, essa é uma “primeira medida, pode não ser a única”.
As ações do pacote, chamado de Plano Brasil Soberano, estão em medida provisória, editada nesta quarta-feira (13/8), com vigência imediata. Agora, a MP precisará ser validada pelo Congresso em até 120 dias. Em cerimônia de apresentação do plano, ao lado dos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, o presidente Lula destacou o papel do Parlamento. “Agora a bola é com vocês”, disse.
Na ocasião, o presidente voltou a dizer que o Brasil não pretende retaliar os Estados Unidos e que não quer conflito. “Vamos continuar teimando em negociação. Não queremos conflito. Agora, o que precisamos exigir é que a nossa soberania é intocável”, disse. Lula também declarou que busca apoio de outros países para amenizar o impacto das tarifas.
“Nós não queremos, no primeiro momento, fazer nada que justifique piorar a nossa relação [com os EUA]. Nesse momento, nós estamos tentando aproximar a relação, procurando o nosso parceiro. Eu já falei com a Índia, já falei com a China, já falei com a Rússia, vou falar com a África do Sul, vou falar com a França, falar com a Alemanha, eu vou falar com todo mundo”, disse.
Apresentado uma semana após a tarifa de 50% imposta pelo governo de Donald Trump a produtos exportados pelo Brasil entrar em vigor, o pacote tem objetivo de amparar os setores mais atingidos. Mais da metade das exportações brasileiras para os EUA sofre com as tarifas, segundo estudo da última semana da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O levantamento aponta que 41,4% da pauta (7.691 produtos) será afetada, principalmente nos setores de vestuário e acessórios (14,6%), máquinas e equipamentos (11,2%), têxteis (10,4%), alimentos (9,0%), químicos (8,7%) e couro e calçados (5,7%).
O plano é divido em três eixos: fortalecimento do setor produtivo; proteção aos trabalhadores; e diplomacia comercial e multilateralismo. Confira ponto a ponto:
Fortalecimento do setor produtivo
Linhas de crédito: R$ 30 bilhões do FGE serão usados como funding para concessão de crédito permitindo taxas acessíveis. As prioridades serão determinadas por dependência do faturamento em relação às exportações para os EUA, tipo de produto e porte de empresa. Os mais afetados serão priorizados.
Além disso, as pequenas e médias empresas também poderão recorrer a fundos garantidores para acessar o crédito. O acesso às linhas estará condicionado à manutenção do número de empregos.
Prorrogação de prazos do regime de drawback: O governo vai prorrogar, por um ano, o prazo para que as empresas consigam exportar suas mercadorias que tiveram insumos beneficiados pelo regime. Esses produtos poderão ser exportados para os EUA ou para outros destinos. Com isso, elas não terão que pagar multa e juros se não conseguirem exportar aos EUA no prazo originalmente previsto.
A medida vale para as empresas que contrataram exportações para os Estados Unidos que seriam realizadas até o final deste ano. Dos US$ 40 bilhões exportados em 2024 para os Estados Unidos, US$ 10,5 bilhões foram realizados via regime de drawback. De acordo com o governo, a prorrogação não tem impacto fiscal, pois apenas posterga o prazo para cumprimento dos compromissos de exportação assumidos pelas empresas brasileiras.
Diferimento de tributos federais: A Receita Federal fica autorizada a fazer diferimento de cobrança de impostos para as empresas mais afetadas pelo tarifaço pelos próximos dois meses.
Compras públicas: De forma extraordinária, por ato infralegal, União, Estados e Municípios poderão fazer compras para seus programas de alimentação (para merenda escolar, hospitais etc) por meio de procedimento simplificado e média de preço de mercado, garantidos a transparência e o controle dos processos. A medida vale apenas para produtos afetados pelas sobretaxas unilaterais.
Modernização do sistema de exportação: Ampliação das regras da garantia à exportação, instrumento que protege o exportador contra riscos como inadimplência ou cancelamento de contratos. O Plano Brasil Soberano permitirá que bancos e seguradoras utilizem essa garantia em mais tipos de operações. Prevê mecanismos de compartilhamento de risco entre governo e setor privado, utilizando o Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE) como mecanismo de primeiras perdas, aumentando o acesso a crédito e reduzindo custos.
Fundos garantidores: Aportes adicionais de R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE), de R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), do BNDES, e R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia de Operações (FGO), do Banco do Brasil, voltados prioritariamente ao acesso de pequenos e médios exportadores.
Novo Reintegra para empresas afetadas: O Reintegra para as Empresas Exportadoras devolve aos exportadores brasileiros parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva, na forma de crédito tributário, ajudando a reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado externo. A medida antecipa os efeitos da Reforma Tributária, desonerando a atividade exportadora.
Atualmente, empresas de grande e médio porte de produtos industrializados têm alíquota fixada em 0,1%; enquanto micro e pequenas, por meio do programa Acredita Exportação, recebem de volta 3% de alíquota.
A medida aumenta em até 3 pontos percentuais o benefício para empresas cujas exportações de produtos industrializados foram prejudicadas por medidas tarifárias unilaterais. Ou seja, para continuarem competitivas no mercado norte-americano, grandes e médias empresas passam a contar com até 3,1% de alíquota, e as micro e pequenas, com até 6%. As novas condições do Reintegra valerão até dezembro de 2026 e terão impacto de até R$ 5 bilhões.
Proteção para o trabalhador
O Plano Brasil Soberano cria a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego para monitorar o nível de emprego nas empresas e suas cadeias produtivas, fiscalizar obrigações, benefícios e acordos trabalhistas, e propor ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho A atuação será coordenada em nível nacional e regional via Câmaras Regionais nas Superintendências Regionais do Trabalho.
Entre as atribuições previstas estão:
- Acompanhar diagnósticos, estudos e informações relativas ao nível de emprego nas empresas e subsetores diretamente afetados pelas tarifas dos EUA.
- Ampliar a análise para identificar impactos indiretos na geração e manutenção de empregos em empresas da cadeia produtiva.
- Monitorar obrigações, benefícios e repercussões nas folhas de pagamento decorrentes de acordos para preservar empregos e mitigar os efeitos das tarifas dos EUA.
- Promover negociação coletiva e mediação de conflitos para manter o emprego.
- Aplicar mecanismos relacionados a situações emergenciais, como lay-off e suspensão temporária de contratos, dentro da lei.
- Fiscalizar o cumprimento das obrigações acordadas e a manutenção dos empregos por meio da Inspeção do Trabalho.
- Utilizar a estrutura regional das Superintendências do Trabalho para engajar trabalhadores e empregadores em negociações para atender às necessidades das empresas afetadas.
- Monitorar a concessão e o pagamento de benefícios trabalhistas aos empregados das empresas diretamente afetadas.
Diplomacia comercial e multilateralismo O Plano também atua na frente externa para ampliar e diversificar mercados, reduzindo a dependência das exportações brasileiras em relação aos Estados Unidos. O governo afirma que, no eixo de diplomacia comercial e multilateralismo, o Brasil tem avançado nas negociações de acordos que abrem novas oportunidades para empresas nacionais. Há negociações concluídas com a União Europeia; EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio). Em processo de conclusão com Emirados Árabes Unidos e Canadá e de diálogo com Índia e Vietnã.
Fonte: JOTA