Brasil manteve controle rígido sobre as empresas de tecnologia. As tarifas de Trump podem mudar isso

O uso de tarifas dolorosas contra o Brasil pelo presidente Trump até agora não tirou seu aliado político Jair Bolsonaro da prisão domiciliar, enquanto ele aguarda julgamento por acusações de conspirar um golpe.

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Mas as taxas parecem estar tendo mais sucesso em abrir portas para as grandes empresas de tecnologia americanas, que buscam influenciar as regras que as regem.

As empresas, que têm cortejado agressivamente Trump, de repente têm uma nova influência nos corredores do poder do Brasil. Em um cenário de imposto de 50% sobre produtos brasileiros essenciais, as empresas estão sendo bem-vindas a reuniões com autoridades brasileiras e juízes do Supremo Tribunal Federal, à medida que novas regulamentações estão sendo elaboradas sobre tudo, desde discursos online até inteligência artificial, de acordo com várias pessoas com conhecimento do assunto.

“Tudo parece fazer parte do ‘acordo’”, disse Anupam Chander, professor de direito e tecnologia da Universidade de Georgetown. “O que poderia ter sido visto como política interna brasileira de repente se torna parte de uma agenda comercial.”

Trump teve menos sucesso ao usar uma taxa de 50% sobre produtos brasileiros importantes como forma de pressionar o poder judiciário a arquivar o processo contra Bolsonaro. O ex-presidente brasileiro alegou falsamente que a última eleição foi fraudulenta para favorecer seu rival, Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil insistiu que ninguém pode interferir em seus assuntos judiciais, e o juiz da Suprema Corte responsável pelo caso de Bolsonaro, Alexandre de Moraes, não se deixou influenciar, mesmo quando os Estados Unidos impuseram a ele algumas das sanções mais drásticas de seu arsenal.

Embora as tentativas de Trump de libertar o ex-presidente possam ser improváveis, ele poderia ter mais sucesso em pressionar o Brasil a mudar suas regras sobre o setor de tecnologia. Os riscos são altos para ambos os lados: como segundo parceiro comercial mais importante do Brasil depois da China, os Estados Unidos tiveram no ano passado um superávit comercial de US$ 7,4 bilhões com o Brasil, em um comércio de cerca de US$ 92 bilhões.

A principal reclamação de Trump é que a regulamentação brasileira das plataformas de mídia social está censurando vozes conservadoras e prejudicando empresas americanas.

No início, Lula acusou Trump de “chantagem” e prometeu redobrar a regulamentação e a tributação das empresas de tecnologia. Então, na semana passada, as coisas mudaram. À medida que a realidade das tarifas se consolidava e as negociações chegavam a um impasse, o principal negociador do Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmin, sinalizou que seu país estava pronto para discutir a questão das grandes empresas de tecnologia “para superar esse problema” de 50% de impostos americanos sobre bilhões de dólares em exportações brasileiras.

O Brasil, uma nação cronicamente online com 212 milhões de habitantes, representa um dos maiores mercados para empresas de tecnologia fora dos Estados Unidos. Mas sua luta de anos contra as falsidades online colocou o Brasil em conflito com as plataformas digitais, que argumentam que os esforços para controlá-las infringem a liberdade de expressão.

“Se o Brasil avançar em sua regulamentação, isso poderá inspirar outros países”, disse Francisco Brito Cruz, professor de direito do Instituto Brasileiro de Educação, Desenvolvimento e Pesquisa, em Brasília. “O Brasil é visto como uma ameaça nesse sentido.”

O Brasil, liderado pelo STF e pelo juiz Moraes, tomou algumas das medidas mais agressivas entre todos os países no combate à desinformação online, alegando que ela prejudica a democracia do País. O Congresso tentou obrigar as empresas a monitorar e limpar suas plataformas, mas os projetos de lei foram bloqueados pela oposição de direita. Nesse vácuo, o juiz Moraes interveio, atuando como talvez o controle mais eficaz sobre Bolsonaro e seus apoiadores e sua alegação de que a eleição foi roubada.

Depois que Bolsonaro perdeu por uma pequena margem a votação de 2022, milhares de seus apoiadores invadiram prédios do governo, exigindo que os militares anulassem o resultado. O juiz Moraes ordenou que as redes sociais bloqueassem dezenas de contas proeminentes que questionavam a eleição ou que simpatizavam com os manifestantes, incluindo algumas contas pertencentes a legisladores federais.

Quando Elon Musk ignorou as solicitações judiciais no ano passado para remover contas do X, o juiz Moraes bloqueou a plataforma no Brasil e ameaçou multar os usuários que contornassem sua proibição.

No Brasil, onde as memórias da ditadura militar ainda perduram, muitos elogiaram o juiz Moraes por enfrentar empresas de tecnologia poderosas. Mas outros o acusaram de ir longe demais.

Ele prendeu pessoas sem julgamento por ameaças feitas online, bloqueou veículos de comunicação de publicar conteúdo crítico a políticos e ordenou a remoção de contas populares nas redes sociais, sem explicar como elas ameaçavam a democracia.

A cruzada do Brasil contra a desinformação despertou a ira de Trump, que impôs tarifas elevadas e acusou o juiz Moraes de censura. O escritório do representante comercial dos EUA também abriu uma investigação sobre a regulamentação do país para empresas de tecnologia.

A crise diplomática deu às empresas de tecnologia sua melhor chance até agora de influenciar uma ampla gama de regulamentações cruciais que o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal estão considerando e que moldarão a forma como as empresas de tecnologia operam no maior país da América Latina.

Em um exemplo importante, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu em junho que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas por publicações que violem as leis do País, como aquelas relacionadas a discurso de ódio e ataques à democracia. As empresas de tecnologia também devem monitorar o conteúdo patrocinado e tomar medidas ativas para garantir que suas plataformas não sejam terreno fértil para publicações prejudiciais.

O Supremo Tribunal Federal do Brasil está agora avaliando como e quando as novas regras, que ecoam algumas das leis adotadas pela União Europeia, serão aplicadas.

As empresas de tecnologia há muito insistem que não devem ser responsabilizadas pelo que os usuários dizem em suas plataformas. Elas consideram os novos critérios muito vagos e complicados, dificultando o cumprimento, de acordo com André Giacchetta, advogado que representou o X e outras plataformas de mídia social no Brasil.

“Isso criou um cenário de enorme incerteza”, disse Giacchetta. Ele afirmou que as regras também representam um desvio significativo e preocupante das regulamentações adotadas pela maioria dos outros países. “O Brasil se isolou do resto do mundo.”

Mas então Trump enviou uma carta ao Brasil em 9 de julho, ameaçando impor novas tarifas punitivas. Desde então, pelo menos duas empresas de tecnologia se reuniram com juízes da Suprema Corte, de acordo com duas pessoas com conhecimento das negociações que insistiram em permanecer anônimas para discutir assuntos delicados. Uma análise do New York Times da agenda pública da corte não encontrou nenhuma divulgação das reuniões, que não foram relatadas anteriormente. Uma porta-voz da Suprema Corte se recusou a comentar.

Um dia antes de Trump cumprir suas ameaças de impor tarifas ao Brasil, empresas de tecnologia, incluindo Google e Meta, se reuniram com o vice-presidente Alckmin. Um representante do secretário de Comércio, Howard Lutnick, também participou remotamente, de acordo com autoridades brasileiras.

O encontro teve como objetivo sinalizar aos Estados Unidos que o Brasil estava disposto a se envolver com o setor de tecnologia, de acordo com um funcionário do governo que falou anonimamente para discutir as negociações confidenciais. As tarifas dos EUA foram discutidas e as empresas de tecnologia foram questionadas sobre suas preocupações regulatórias, de acordo com duas pessoas que participaram da reunião.

Após a reunião, o governo brasileiro propôs um grupo de trabalho focado em regulamentação, inovação e oportunidades de investimento para o setor de tecnologia, citando os data centers como uma área possível de parceria entre os Estados Unidos e o Brasil.

“Esta questão da regulamentação das grandes empresas de tecnologia e das mídias sociais está sendo discutida em todo o mundo”, disse Alckmin. “Então, vamos aprender. Onde isso foi implementado? O que funcionou? O que gerou críticas? Não devemos nos precipitar.”

Google e Meta se recusaram a comentar sobre as tarifas de Trump ou as reuniões realizadas com as autoridades brasileiras. X não foi encontrado para comentar.

Muitos no Brasil veem o caso Bolsonaro como fundamental para preservar a democracia do País e afirmam que não há margem para manobra. O País deve agora decidir se, e em que medida, está disposto a reverter sua postura dura em relação às empresas de tecnologia, na esperança de chegar a um acordo com os Estados Unidos.

Se as empresas de tecnologia conseguirem influenciar a regulamentação brasileira, as tarifas poderão representar uma vitória importante, embora mais discreta, para o líder americano e seus aliados. “Pode ser tudo uma questão de fazer do Brasil um exemplo”, disse Brito. “Então, todos estão observando como isso vai acabar.”


Fonte: Estadão

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