Big techs aproveitam tarifas de Trump e aumentam lobby no Brasil para alterar regulamentações
Ana Ionova
Nova York | The New York Times
O uso de tarifas de 50% pelo presidente Donald Trump contra o Brasil até agora não conseguiu libertar seu aliado político Jair Bolsonaro da prisão domiciliar, enquanto ele aguarda julgamento acusado de planejar um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
Mas as taxas parecem estar tendo mais sucesso em abrir portas para as grandes empresas dos EUA de tecnologia enquanto elas buscam influenciar as regras que as governam.
As big techs, que têm cortejado Trump agressivamente, de repente ganharam nova influência nos corredores do poder brasileiro. Com o pano de fundo de uma taxa de 50% sobre produtos brasileiros essenciais, as empresas estão sendo recebidas em reuniões com autoridades brasileiras e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), enquanto novas regulamentações estão sendo formuladas sobre tudo, desde discurso online até inteligência artificial, segundo várias pessoas com conhecimento do assunto.
Tudo parece fazer parte do acordo”, afirmou Anupam Chander, professor de direito e tecnologia da Universidade Georgetown. “O que poderia ser visto como política doméstica brasileira de repente se torna parte de uma agenda comercial”, avaliou.
Trump teve menos sucesso usando a sobretaxa como pretexto para forçar o poder judiciário a arquivar o caso contra Bolsonaro. O ex-presidente brasileiro alegou falsamente que a última eleição foi fraudada para favorecer seu rival, Luiz Inácio Lula da Silva.
O Brasil insistiu que ninguém pode interferir em seus assuntos judiciais, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que supervisiona o caso de Bolsonaro, não se deixou influenciar, mesmo quando os Estados Unidos impuseram a ele algumas das sanções mais drásticas de seu arsenal: a Lei Magnitsky.
Embora as tentativas de Trump de libertar o ex-presidente possam ser um tiro no escuro, ele pode ter mais sucesso em pressionar o Brasil a mudar suas regras no setor de tecnologia. Os interesses são altos em ambos os lados: como segundo parceiro comercial mais importante do Brasil depois da China, os Estados Unidos tiveram no ano passado um superávit comercial de US$ 7,4 bilhões com o Brasil em cerca de US$ 92 bilhões em comércio.
A principal reclamação de Trump é que a regulamentação brasileira das plataformas de mídia social está censurando vozes conservadoras e prejudicando empresas americanas.
Inicialmente, Lula acusou Trump de “chantagem” e prometeu intensificar a regulamentação e tributação das empresas de tecnologia. Então, na semana passada, as coisas mudaram. À medida que a realidade das tarifas se consolidava e as negociações chegavam a um impasse, o principal negociador do Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmin, sinalizou que seu país estava pronto para discutir a questão das big techs “para superar esse problema” das tarifas de 50% sobre bilhões de dólares em exportações brasileiras.
O Brasil, uma nação cronicamente online de 212 milhões de habitantes, representa um dos maiores mercados para empresas tecnológicas fora dos Estados Unidos. Mas sua luta de anos contra falsidades online colocou o Brasil em desacordo com as plataformas digitais, que argumentam que os esforços para controlá-las infringem a liberdade de expressão.
Se o Brasil avançar em sua regulamentação, isso poderia inspirar outros países”, analisou Francisco Brito Cruz, professor de direito do Instituto Brasileiro de Educação, Desenvolvimento e Pesquisa em Brasília. “O Brasil é visto como uma ameaça nesse sentido”.
O Brasil, liderado pelo STF e Moraes, tomou algumas das medidas mais agressivas de qualquer país no combate à desinformação online, dizendo que isso mina a democracia do país. O Congresso tentou forçar as empresas a monitorar e limpar suas plataformas, mas os projetos de lei foram bloqueados pela oposição de direita. Nesse vácuo, Moraes interveio, atuando como talvez o controle mais eficaz sobre Bolsonaro e seus apoiadores e sua alegação de que a eleição foi roubada.
Depois que Bolsonaro perdeu em votação apertada em 2022, milhares de seus apoiadores invadiram prédios governamentais, exigindo que os militares anulassem o resultado. Moraes ordenou que as redes sociais bloqueassem dezenas de contas influentes que questionavam a eleição ou simpatizavam com os manifestantes, incluindo algumas contas pertencentes a parlamentares.
Quando Elon Musk ignorou solicitações judiciais no ano passado para remover contas do X, Moraes bloqueou a plataforma no Brasil e ameaçou multar usuários que contornassem sua proibição.
No Brasil, onde as memórias da ditadura militar persistem, muitos elogiaram Moraes por enfrentar poderosas empresas de tecnologia. Mas outros o acusaram de ir longe demais: prender pessoas sem julgamento por ameaças feitas online, bloquear veículos online por conteúdo crítico a políticos e ordenar a remoção de contas em redes sociais.
A cruzada do Brasil contra a desinformação atraiu a ira de Trump, que impôs tarifas elevadas e acusou Moraes de censura. O escritório do representante de comércio dos EUA também abriu uma investigação sobre a regulamentação do país sobre empresas de tecnologia.
A crise diplomática deu às empresas de tecnologia sua melhor chance até agora de influenciar uma ampla gama de regulamentações cruciais que o governo brasileiro e o STF estão considerando, e que moldarão como as empresas de tecnologia operam na maior nação da América Latina.
Em um exemplo importante, a Suprema Corte decidiu em junho que as plataformas digitais poderiam ser responsabilizadas por postagens que violem as leis do país, como aquelas relacionadas a discurso de ódio e ataques à democracia. As empresas de tecnologia também devem monitorar conteúdo patrocinado e tomar medidas ativas para garantir que suas plataformas não sejam terreno fértil para postagens prejudiciais.
O Supremo está agora avaliando como e quando as novas regras, que ecoam algumas das leis adotadas pela União Europeia, serão aplicadas.
As empresas de tecnologia há muito insistem que não devem ser responsabilizadas pelo que os usuários dizem em suas plataformas. Elas veem os novos critérios como muito vagos e onerosos, tornando difícil o cumprimento, segundo André Giacchetta, advogado que representou o X e outras plataformas de redes sociais no Brasil.
“Isso criou um cenário de enorme incerteza”, disse Giacchetta. Ele afirmou que as regras também representam um grande e preocupante afastamento das regulamentações adotadas pela maioria dos outros países. “O Brasil se isolou do resto do mundo”.
Então, em 9 de julho, Trump enviou uma carta ao Brasil, ameaçando impor novas tarifas punitivas. Desde então, pelo menos duas empresas de tecnologia se reuniram com ministros do STF, de acordo com duas pessoas com conhecimento das conversas que insistiram em anonimato para discutir assuntos sensíveis. Uma análise do The New York Times da agenda pública do tribunal não encontrou nenhuma divulgação das reuniões, que não foram relatadas anteriormente. Um porta-voz do Supremo recusou-se a comentar.
Um dia antes de Trump cumprir as ameaças de impor as tarifas ao Brasil, empresas de tecnologia, incluindo Google e Meta, reuniram-se com Alckmin. Um representante do secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, também participou remotamente, segundo autoridades brasileiras.
O encontro tinha como objetivo sinalizar aos Estados Unidos que o Brasil estava disposto a negociar com o setor de tecnologia, segundo um funcionário do governo que falou anonimamente. As tarifas dos EUA foram discutidas e as empresas de tecnologia foram questionadas sobre suas preocupações regulatórias, de acordo com dois participantes da reunião.
Após o encontro, o governo brasileiro propôs um grupo de trabalho focado em regulamentação, inovação e oportunidades de investimento para o setor de tecnologia, citando data centers como uma possível área onde os Estados Unidos e o Brasil poderiam formar parceria.
“Essa questão de regular as big techs e as mídias sociais está sendo discutida em todo o mundo”, afirmou Alckmin. “Então, vamos aprender. Onde foi implementado? O que funcionou? O que levou a críticas? Não devemos nos apressar nisso”, complementou o vice-presidente brasileiro.
Google e Meta recusaram-se a comentar sobre as tarifas de Trump ou as reuniões realizadas com as autoridades brasileiras. O X não pôde ser contatado para comentar.
Muitos no Brasil veem o caso Bolsonaro como central para preservar a democracia da nação e dizem que não há espaço para manobras. O país agora deve decidir se, e quanto, está disposto a recuar em sua postura dura em relação às empresas de tecnologia na esperança de estabelecer uma trégua com os Estados Unidos.
Se as empresas de tecnologia conseguirem influenciar a regulamentação brasileira, as tarifas poderiam resultar em uma vitória importante, embora mais silenciosa, para o líder americano e seus aliados.
“É fazer do Brasil um exemplo”, disse Brito. “Então todo mundo está observando como isso vai se desenrolar.”
Fonte: Folha de São Paulo