Haddad diz que reunião com EUA sobre tarifa foi cancelada e culpa extrema direita

Idiana Tomazelli

Brasília

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse nesta segunda-feira (11) que a reunião que ele teria na próxima quarta (13) com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, para discutir a sobretaxa de 50% imposta ao Brasil foi cancelada.

Em entrevista à GloboNews, o ministro atribuiu o cancelamento à atuação de forças de extrema direita que mantêm interlocução com a Casa Branca e citou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos EUA.

“De novo, a militância antidiplomática dessas forças de extrema direita que atuam junto à Casa Branca tomaram conhecimento da minha fala, porque eu dei a público que eu ia me reunir com o Bessent na quarta-feira, e agiram junto a alguns assessores do presidente [dos EUA, Donald] Trump, e a reunião com ele, que seria virtual na quarta-feira, foi desmarcada”, disse Haddad.

“Recebemos essa informação um ou dois dias depois do anúncio que eu fiz. Em que o Eduardo, publicamente, deu uma entrevista [dizendo] que ia procurar inibir esse tipo de contato entre os dois governos, porque o que estava em causa não era questão comercial. [Ele] Deixou claro isso em uma entrevista pública”, acrescentou.

O ministro reforçou que o cancelamento da agenda com o Tesouro americano ocorreu após a declaração de Eduardo. “Não há coincidência nesse tipo de coisa”, afirmou.

Em entrevista à GloboNews, o ministro atribuiu o cancelamento à atuação de forças de extrema direita que mantêm interlocução com a Casa Branca e citou o deputado Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA.

À coluna Mônica Bergamo, da Folha, o deputado diz não ter culpa pelo cancelamento da reunião

Em nota conjunta com o ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo, Eduardo negou interferência. “Haddad prefere culpar terceiros pela própria incompetência, enquanto Lula só fala besteira por aí e inflama a crise diplomática”, escreveram eles.

Um integrante do Itamaraty também minimizou uma eventual ação de Eduardo no cancelamento da reunião entre Haddad e Bessent.

Para esse diplomata, o encontro foi desmarcado porque os canais de negociação com Washington seguem fechados. Enquanto Trump não definir um interlocutor apto a conversar com o Brasil nos termos que o presidente americano indica querer —passando por uma salvação a Jair Bolsonaro e punição a Moraes—, a negociação continuará travada. Por isso, não haveria razão para uma conversa entre Bessent e Haddad.

Segundo Haddad, a Fazenda ainda tentou remarcar a reunião para outra data, mas não houve retorno positivo nesse sentido. O ministrou lembrou ainda que outros integrantes do governo brasileiro escalados para tentar estabelecer um diálogo com os Estados Unidos também enfrentam dificuldades.

“Quando você encontra esse tipo de resistência, é porque o problema está em outro lugar”, disse. “E nós podemos compreender que, se nenhuma medida for tomada, por exemplo, pelo Congresso Nacional em relação ao comportamento dos seus membros no que diz respeito ao interesse nacional, isso vai ficar mais difícil. Porque todos que estão lá declararam respeito à Constituição brasileira e defesa do interesse nacional”, acrescentou.

No início do mês, o ministro da Fazenda se referiu à reunião com Bessent inclusive como uma etapa de preparação para um possível telefonema entre o presidente Lula e Trump. “Finalmente, eu vou ter uma reunião mais longa e mais focada na decisão até aqui unilateral dos Estados Unidos em relação ao Brasil. Nós vamos poder trocar ideias sobre todos os temas, inclusive sobre esse, sobre a oportunidade e a conveniência [de um telefonema entre Trump e Lula]”, disse o ministro em 1º de agosto.

Como mostrou a coluna Painel, da Folha, o Departamento do Tesouro dos EUA chegou a enviar ao Ministério da Fazenda brasileiro um link do aplicativo Zoom para a conversa que foi cancelada.

O governo Lula vem reclamando de dificuldades de interlocuções com o governo americano, apesar de já ter conseguido marcar reuniões com autoridades.

No mês passado, o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e vem sendo considerado pelo governo como principal articulador de negociações com os americanos, conversou com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick.

Além disso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, realizou uma viagem não anunciada a Washington no fim de julho para se reunir com o chefe da diplomacia americana, Marco Rubio. No encontro, Vieira disse que não achava justificável a aplicação da Lei Magnitsky, aplicada contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que trata de graves violações aos direitos humanos, segundo uma pessoa próxima.

A sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros foi anunciada em 9 de julho e está entre as maiores instituídas para países que exportam aos EUA. O decreto que implementa as tarifas deixa clara a motivação mais política que econômica ao citar o nome de Jair Bolsonaro (PL) e dizer que o ex-presidente —réu no STF (Supremo Tribunal Federal) em processo que apura trama golpista em 2022— sofre perseguição da Justiça brasileira.

Para tentar amenizar os impactos do tarifaço sobre as empresas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um pacote de medidas, que deve incluir linhas de crédito e o diferimento de tributos (um prazo adicional para que as companhias efetuem o pagamento dos impostos).

Haddad disse ainda que a MP (medida provisória) vai incluir uma reformulação no FGE (Fundo de Garantia à Exportação), criado para cobrir riscos em operações de crédito a vendas ao exterior.

“Além de medidas conjunturais de apoio aos exportadores que vão estar em situação de dificuldade, vamos fazer uma coisa mais estrutural”, afirmou o ministro. “Nós estamos fazendo uma reforma estrutural no FGE, com o suporte dos demais fundos, para garantir que não só os grandes, mas toda empresa brasileira que tiver vocação de exportação vai ter instrumentos modernos para fomentar a exportação para o mundo inteiro. Porque muitas das exportações brasileiras vão ter que mudar de destino.”

Segundo ele, a estratégia brasileira é buscar novos mercados para as empresas que hoje dependem das exportações aos Estados Unidos e ficarão prejudicadas pela sobretaxa.

O ministrou disse também que a MP vai prever, em alguma medida, uma cobrança por manutenção de empregos para empresas que acessarem o socorro. A exigência, porém, terá previsões de flexibilização.

“Isso está previsto na MP, mas obviamente há empresas que não vão poder garantir isso, porque o impacto é muito grande na sua produção. E a MP flexibiliza para alguns casos, [permitindo] outros tipos de contrapartida”, disse.

“A MP, é importante dizer, tem que ter uma certa flexibilidade. Porque nós estamos falando de mais de 10 mil empresas. Nós não vamos conseguir colocar na mesma moldura todo mundo, desde o pescado do Ceará até a Embraer, o pessoal de máquinas e equipamentos e o pessoal da manga do Vale do São Francisco. A MP oferece os instrumentos e abre as diretrizes de como cada empresa vai ser atendida”, acrescentou. Colaborou Julia Chaib


Fonte: Folh de São Paulo

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