Exigência de Trump aos parceiros comerciais: prometam dinheiro ou enfrentem tarifas mais altas
As ameaças tarifárias do presidente dos Estados Unidos Donald Trump viraram uma estratégia para arrecadar dinheiro. Ele busca usar o poder econômico para pressionar outros países a investirem bilhões e, assim, garantir acesso ao mercado americano.
A agenda comercial do segundo mandato de Trump tem ecos claros de sua filosofia expressa no seu próprio livro A Arte da Negociação, em que defende posturas duras e exigências agressivas em acordos. Ele tem cobrado que os parceiros comerciais lhe “mostrem o dinheiro” na forma de promessas de investimento ou então enfrentarão tarifas astronomicamente altas.
As promessas financeiras dão ao presidente americano a oportunidade de mostrar sua habilidade de negociação e exibir a arrecadação impressionante que está trazendo para os Estados Unidos. Essa estratégia aumenta o interesse da população pelo reality show que é sua agenda comercial.
Enquanto o governo Trump corre para fechar acordos comerciais com dezenas de países antes do prazo final de quinta-feira, 7 (para as chamadas tarifas recíprocas), ele adotou uma estratégia que vai além da abertura de mercados internacionais e da redução do déficit comercial dos EUA.
A tática ficou evidente na semana passada, quando Trump e sua equipe lançaram uma série de novos acordos comerciais antes do prazo de 1º de agosto.
“A Coreia do Sul está atualmente com uma tarifa de 25%, mas eles têm uma oferta para reduzir essas tarifas”, escreveu Trump nas redes sociais na quarta-feira, 30. “Estou interessado em saber qual é essa oferta.”
No dia seguinte, Trump concordou em reduzir a tarifa sobre as importações da Coreia do Sul para 15%. A redução ocorreu depois que o país asiático concordou em fazer investimentos de US$ 350 bilhões nos Estados Unidos e comprar US$ 100 bilhões em gás natural liquefeito.
A Coreia do Sul não é o único país a fazer tais promessas. O Japão disse que criaria um fundo de US$ 550 bilhões para investimentos nos Estados Unidos. AUnião Europeia indicou que suas empresas estavam preparadas para investir pelo menos US$ 600 bilhões.
Para especialistas em comércio, os compromissos levantam a questão de se Trump está negociando com parceiros comerciais ou reféns comerciais.
“Sem dúvida, trata-se de uma espécie de chantagem global”, disse Scott Lincicome, vice-presidente de economia geral do Cato Institute, instituto de tendência conservadora. “O fato é que Trump está usando a política tarifária dos EUA para efetivamente impor esses termos a participantes pouco dispostos.”
Mas a natureza vaga desses compromissos informais sugere que outras nações também podem estar buscando maneiras criativas de escapar das tarifas de Trump.
Embora as tarifas sejam relativamente fáceis de aplicar, os compromissos de investimento e compra não são tão fáceis de fiscalizar. A União Europeia, por exemplo, não tem autoridade para ditar o tipo de investimentos que prometeu, e grande parte dos investimentos prometidos pelo Japão está vindo na forma de empréstimos.
Os anúncios de investimento também geraram confusão e careceram dos detalhes habituais que acompanham acordos desse tipo para evitar disputas futuras.
A grande maioria dos US$ 350 bilhões em investimentos sul-coreanos assumiria a forma de empréstimos e garantias de empréstimos. Autoridades sul-coreanas mostraram-se confusas sobre o que as autoridades americanas queriam dizer quando afirmaram que 90% dos lucros dos investimentos iriam para o povo americano.
O documento informativo anunciando os planos da União Europeia deixou margem para interpretação ao afirmar que “empresas da UE manifestaram interesse em investir pelo menos US$ 600 bilhões” em “vários setores nos EUA”.
Algumas das promessas iniciais de investimento parecem ser grandes demais para serem verdadeiras. Novos dados do Departamento de Análise Econômica dos Estados Unidos (Bureau of Economic Analysis) mostraram que, em 2024, os gastos estrangeiros para adquirir, iniciar ou expandir negócios nos Estados Unidos totalizaram US$ 151 bilhões — uma pequena fração dos novos compromissos anunciados. O compromisso de investimento de US$ 600 bilhões da União Europeia corresponde ao valor total das mercadorias que os Estados Unidos importaram da Europa no ano passado.
Embora os Estados Unidos tenham sido por muito tempo um ímã para investimentos estrangeiros, os efeitos de longo prazo de fazer com que os países invistam sob coação não são claros.
“Esse é o tipo de acordo que você esperaria ver em um mercado emergente que não consegue atrair capital por seus méritos”, disse Aaron Bartnick, que trabalhou no Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca durante o governo Biden. “E podemos descobrir, com o tempo, que se os Estados Unidos insistirem em agir como um mercado emergente, nossos parceiros comerciais podem começar a nos tratar como tal, com termos mais onerosos e taxas menos favoráveis, com os quais as empresas e os consumidores americanos não estão acostumados a lidar.”
Independentemente das implicações econômicas, as táticas de Trump não mostram sinais de abrandamento, já que ele reivindica regularmente mais de US$ 10 trilhões — e subindo — em investimentos de empresas e países estrangeiros.
Daniel Ames, professor da Columbia Business School que leciona estratégia de negociação, disse que a abordagem de Trump em relação aos acordos comerciais parece ter sido inspirada diretamente em sua experiência como empresário. Trump ficou famoso por desestabilizar seus interlocutores nas negociações com ofertas extremamente baixas, argumentos de venda brilhantes e uma habilidade de capitalizar sobre as fraquezas para obter vantagem. Ames observou, no entanto, que países como Japão, Coreia do Sul e União Europeia também podem estar “entrando no jogo de Trump” e blefando ao revelar promessas de investimentos colossais que podem acabar sendo vazias. “Donald Trump é um contador de histórias talentoso, e acho que quando seus interlocutores reconhecem isso, eles podem tirar proveito disso”, disse Ames. “Se você está negociando com um narcisista, você procura maneiras de fazê-lo sentir que ganhou.”
Fonte: Estadão