Justiça proíbe Itaú e Mastercard de barrarem carteiras digitais
Banco e bandeira de cartões são alvo de ação civil pública por abuso e práticas anticoncorrenciais; Itaú nega violação às regras
São Paulo
A Justiça do Rio de Janeiro determinou que Itaú e Mastercard parem, imediatamente, de dificultar ou barrar o uso de seus cartões de crédito em carteiras digitais como meio de pagamento. A medida foi tomada em caráter de urgência após pedido da Abranet (Associação Brasileira de Internet) e do Abradecont (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador).
Em ação civil pública protocolada na 2ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, as associações afirmaram que o banco reprova transações feitas por carteiras digitais. Também reclamaram que a Mastercard aumentou as tarifas de intercâmbio, onerando, sobretudo, as carteiras digitais.
Por meio de seu advogado, Luís Felipe Salomão Filho, as entidades afirmaram no processo que, desde dezembro de 2023, o banco adota uma política discricionária, valendo-se de sua posição de emissor de cartões no Brasil. Também dizem que o Itaú nega pagamento no ambiente das carteiras digitais, os mesmos pagamentos aprovados em seu próprio aplicativo, o que indicaria direcionamento forçado do usuário aos canais do Itaú.
Elas consideram que a medida tem como estratégia enfraquecer a atuação das carteiras digitais concorrentes e promover soluções próprias, como a carteira ITI, conta digital do Itaú.
A conduta, ainda segundo o processo, não se baseia em critérios técnicos objetivos e atinge até consumidores com bom histórico de crédito.
Já em relação à Mastercard, que é responsável por organizar os arranjos de pagamento e definir os parâmetros tarifários, a ação civil pública diz que a empresa elevou as tarifas aplicáveis a carteiras digitais de forma desproporcional, com impactos diretos nas transações à vista e parceladas.
As associações afirmam que não houve transparência ou justificativa técnica para o aumento. Também disseram que a Mastercard possui histórico recorrente de práticas abusivas, tanto no Brasil quanto no exterior, graças à sua posição dominante nesse mercado.
O mérito dessa disputa, no entanto, não foi julgado. Em sua decisão, o juiz Marcelo Mondengo de Carvalho Lima disse ver uma atuação preocupante do Itaú e da Mastercard e concedeu a suspensão urgente das supostas práticas para evitar possíveis prejuízos aos consumidores.
É culpa da inadimplência, diz banco
Consultado, o Itaú disse que vai recorrer. Via assessoria, a instituição informou que a reprovação no uso de carteira digital ocorre porque o banco identificou que transações com cartões de crédito realizadas em carteiras digitais possuem índices de inadimplência até cinco vezes superiores aos observados em compras tradicionais. A instituição, no entanto, não deu detalhes.
Diante disso, com base nas boas práticas bancárias, em sólidas fundamentações econômicas e jurídicas, e na legislação de prevenção ao superendividamento, o banco passou a restringir determinadas transações realizadas com carteiras digitais, priorizando a proteção de clientes em situação de maior vulnerabilidade econômica”, disse em nota.
O Itaú acrescentou que a medida não viola as regras de livre concorrência e não traz prejuízo aos consumidores. Disse estranhar o fato de ele ser o único banco envolvido na ação, apesar de haver evidências de que outras instituições financeiras adotam práticas semelhantes.
Apesar do argumento de que a restrição ao uso de carteira digital visa o controle da inadimplência, no processo, a Abranet e a Abradecont dizem que, ao mesmo tempo em que recusa esse meio de pagamento com base no risco de crédito, o Itaú passou a oferecer serviço próprio de parcelamento via Pix, modalidade que antes era apontada pelo banco como arriscada. Segundo as entidades, isso demonstra seletividade na conduta.
Taxas seguem normas do BC
A Mastercard não se manifestou à reportagem. Em sua defesa no processo, alega que sua política tarifária está em conformidade com o marco normativo do Banco Central, que teria reconhecido a legalidade da empresa na fixação dos valores, desde que observados os limites legais.
A companhia diz que suas taxas não recaem sobre o consumidor final, o que deveria afastar essa questão da discussão, comprometendo a legitimidade das associações para abrir o processo. Elas dizem, porém, que há um repasse do aumento dessas taxas aos preços para o consumidor final.
A Mastercard diz que a ação civil pública representa “mais um episódio de litigância associativa predatória, promovida por entidades sem representatividade adequada”. Com Stéfanie Rigamonti
Fonte: Folha de São Paulo