Brasil deve levar tributação de big techs para negociação com governo Trump
Proposta desenvolvida pela equipe econômica prevê cobrança de uma Cide de 3% sobre serviços de publicidade nas redes sociais
BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) deve levar a tributação das plataformas digitais à negociação com os Estados Unidos na tentativa de evitar o tarifaço de 50% imposto aos produtos brasileiros pelo presidente americano, Donald Trump.
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O Palácio do Planalto avança com uma proposta para taxar as grandes empresas do setor, mostrou o Estadão na semana passada. Ela deve compor um plano de contingência, que será mais amplo para lidar com a crise, e terá como foco medidas emergenciais, e não retaliatórias.
A Receita Federal está fechando um cálculo do potencial efeito na arrecadação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a publicidade digital (leia mais abaixo). O tarifaço está previsto para começar em 1º de agosto se os dois países não chegarem a um acordo.
A equipe econômica chegou a cogitar levar à mesa de negociação os dois projetos de lei que o governo concluiu com o objetivo de regular a atividade das plataformas: um deles no campo concorrencial e outro visando a garantir maior transparência e direitos aos usuários de redes sociais. Os textos estão prontos para serem apresentados ao Congresso.
A ideia, no entanto, perdeu força desde a última quarta-feira, 23, quando o Departamento de Estado americano publicou um tuíte partindo para cima da regulação europeia das plataformas digitais.
“Na Europa, milhares de pessoas estão sendo condenadas pelo crime de criticar os seus governantes”, publicou o governo dos Estados Unidos no X (ex-Twitter), referindo-se à lei que regulou as redes sociais no continente, o DSA (Digital Services Act, ou Lei de Serviços Digitais).
As discussões de regulação das redes no governo Lula têm influência da regulação europeia, e levá-la adiante agora pode soar como uma provocação a Trump.
A leitura política no Planalto é que a regulação das plataformas é uma medida de soberania nacional e não deve estar no meio de uma negociação comercial. Além disso, o governo brasileiro quer projetar a imagem de que é o “adulto na sala” nesta negociação, evitando provocações.
A ideia de taxação vinha sendo discutida desde o início do governo, mas foi engavetada quando Trump chegou à presidência dos EUA, para não abrir um flanco de discussão com o americano.
Agora, o governo Lula acredita que pode voltar ao assunto, usando a proposta como elemento para uma negociação, num momento em que a relação entre os dois países está inflamada pelo anúncio do tarifaço.
A taxação das big techs foi mencionada por Lula na semana passada, em discurso em uma universidade em Goiânia.
A proposta
Segundo apurou o Estadão, o desenho desenvolvido pela equipe econômica prevê a incidência de uma Cide de 3% sobre serviços de publicidade nas redes sociais.
A ideia é que a taxação só incida sobre empresas de elevado faturamento, o que restringiria o escopo às grandes plataformas americanas, como Meta (dona do Instagram e do WhatsApp), X (ex-Twitter) e Alphabet (Google e Youtube).
Ao delimitar a tributação sobre publicidade, o governo retira ainda o risco de tributar empresas como o Mercado Livre, que é argentino e cujo modelo de negócios se baseia nos ganhos como marketplace.
A legislação se baseia no imposto sobre serviços digitais implementado em diversos países — as tributações no Canadá e na Espanha são as principais referências para o governo Lula. Após pressão americana, no entanto, o governo canadense anunciou, no fim de junho, a suspensão da taxa sobre as big techs no país.
O imposto do Canadá aplica uma alíquota de 3% sobre a receita obtida com serviços digitais como aqueles que dependem de engajamento, dados e contribuições de conteúdo de usuários canadenses, e certas vendas ou licenciamento de dados de usuários canadenses.
No caso brasileiro, a incidência como uma Cide prevê que a arrecadação tenha finalidade específica. Estão sob análise a destinação para a operação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para atividades de jornalismo e para os fundos setoriais que financiam o cinema – este último com menor chance, porque a legislação do streaming já prevê a destinação de verba para o cinema.
A Receita faz estudos para averiguar quanto a taxação poderia levantar em termos arrecadatórios, mas se espera um recolhimento de impostos inferior a R$ 1 bilhão por ano.
Esse ponto, no entanto, não é tratado como o mais relevante pelas autoridades brasileiras; mas, sim, a ideia de que o lucro obtido pelas grandes plataformas em países periféricos, como o Brasil, deve ser compartilhado. Esse é o fundamento do chamado Pilar 1 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o qual o Brasil está de acordo, mas que não avança pela falta de consenso dos países desenvolvidos.
A Fazenda avalia levar adiante a proposta protocolada no Congresso pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) para tributar as plataformas. A proposição prevê instituir a Contribuição Social Digital, destinada a financiar iniciativas de fortalecimento da infraestrutura, desenvolvimento e capacitação tecnológicos. A alíquota, no entanto, é de 7%.
Regulação das big techs
O Palácio do Planalto tem dois projetos de lei para regular as plataformas digitais, mas que devem ficar de fora da negociação com o governo Trump por enquanto. Os textos receberam aval no fim de abril, mas a cúpula do governo não chegou a uma decisão sobre qual o melhor momento político para enviá-los ao Congresso.
Um dos projetos foi construído pela Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), e o outro, pela Secretaria de Reformas Econômicas (SRE), no Ministério da Fazenda.
A proposta da secretaria da Justiça é uma espécie de Código de Defesa do Consumidor para usuários na internet. O texto propõe medidas de mitigação de riscos de acordo com o serviço digital oferecido e se volta mais ao direito do consumidor do que à punição às plataformas. Visa, por exemplo, dar maior transparência às informações aos usuários de redes sociais, como termos de uso e identificação de publicidade.
O projeto pensado pela Fazenda, por sua vez, mira o mercado das plataformas de redes sociais e trata de aspectos concorrenciais. O texto amplia sobretudo o poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar, moderar e definir novas obrigações para as empresas. A ideia é combater, por exemplo, eventuais monopólios na oferta de serviços, anúncios ou buscas e outras formas de abuso de poder em razão da prevalência dessas grandes empresas no acesso aos usuários de internet.
Fonte: Estadão