Analistas esperam pressão sobre inflação após disparada do petróleo com conflito entre Israel e Irã
São Paulo
Analistas preveem que a forte alta nos preços do petróleo, provocada pela escalada do conflito entre Israel e Irã, pode acelerar a inflação no médio prazo. Também preveem desvalorização das Bolsas de Valores, na abertura dos mercados desta segunda-feira (23), após o ataque dos Estados Unidos ao Irã.
Uma das consequências do bombardeamento americano é a decisão do Irã de fechar o estreito de Hormuz, por onde passam mais de 20% dos barris comercializados globalmente. Sem essa passagem, o transporte da commodity fica mais difícil e, consequentemente, mais caro, afetando o preço final.
O petróleo Brent, referência internacional, subia cerca de 4% para US$ 80 o barril quando as negociações começaram no domingo à noite, em Londres.
O quanto o petróleo subirá nesta semana dependerá exatamente de como o país ou seus representantes, como os Houthis, escolherão retaliar, disseram analistas.
“Uma clara linha vermelha foi cruzada”, disse Jorge León, chefe de análise geopolítica da consultoria de energia Rystad, observando que os bombardeios do fim de semana marcaram a primei
Em um cenário extremo onde o Irã responde com ataques diretos ou visa infraestruturas petrolíferas regionais, os preços do petróleo dispararão drasticamente”, disse. “Mesmo na ausência de retaliação imediata, os mercados provavelmente precificarão um prêmio de risco geopolítico mais alto”.
Os preços do petróleo já subiram cerca de 14% desde que Israel lançou seu primeiro ataque surpresa ao Irã há 10 dias.
Esta escalada deve beneficiar as ações de petroleiras. No Brasil, Petrobras, Brava Energia (antiga 3R Petroleum), PetroReconcavo e Prio devem ver seus papéis subirem na segunda-feira (22).
“A Petrobras ainda tem um ponto específico. Como o governo tem falado sobre a necessidade de dividendos extraordinários das estatais, a Petrobras estaria entre elas, principalmente se o petróleo se estabilizar acima de US$ 100. É algo mais estrutural, mas o mercado pode precificar que esse dividendo extraordinário”, afirma Gabriel Mota, sócio da Manchester Investimentos.
Além da valorização das companhias da indústria petroleira, o fechamento de Hormuz deve elevar os preços globalmente, gerando inflação e dificultando uma queda de juros, como pede o presidente dos EUA.
“Eu não vejo esse fechamento como sustentável, ainda assim ele teria impactos brutais no preço de petróleo caso isso se mantenha por muito tempo. E, como consequência, uma espiral inflacionária que vai impactar a política monetária de diversos países, inclusive o Brasil”, Matheus Spiess, estrategista da Empiricus Research.
A Petrobras visa conter o impacto das grandes mudanças de preço na matéria-prima no Brasil, absorvendo altas e baixas do óleo de modo a gerar uma maior estabilidade do mercado interno.
Na semana passada, a presidente da estatal, Magda Chambriard, afirmou que a alta na cotação do petróleo dos últimos dias era recente e a companhia não iria “fazer nada” em relação aos preços dos combustíveis no país.
“Quando a gente fala de preços do diesel e preço da gasolina, a gente não faz nenhum movimento abrupto”, disse a executiva na quarta (18).
Os combustíveis tem um forte impacto no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que está acima da meta perseguida pelo Banco Central. Com a expectativa de preços mais elevados, os juros futuros também tendem a subir, precificando taxas mais altas por mais tempo —o que também prejudica ativos de renda variável.
Outro impacto nos preços pode vir do dólar. Analistas esperam a valorização da moeda americana como resultado de uma fuga de investidores para ativos considerados como porto-seguros, o que inclui o ouro e os títulos do Tesouro dos EUA.
Spiess, porém, pondera que parte da alta da divisa americana pode ser compensada pelo efeito positivo da exportação de um petróleo mais caro na balança comercial do Brasil.
“Portanto, teríamos uma relativa força para a real. Entretanto, também teremos impacto inflacionário, como todo mundo terá”, diz o especialista.
Cássio Bambirra, diretor da One Investimentos, levanta a possível alta nos combustíveis e nos fertilizantes importados,
“Como importador, o Brasil pode sofrer um câmbio mais volátil e custos mais altos, levando pressões ao agronegócio, uma vez que teremos insumos mais caros e uma logística global mais complicada, o que tende a elevar os preços internos”, diz Bambirra.
Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), afirma que o maior impacto direto ao Brasil seria o encarecimento da ureia, muito usada na agropecuária brasileira.
“O Brasil importa 80% do petróleo que consome, e o Irã é o terceiro maior produtor mundial. Apesar de Rússia, Uzbequistão e Argélia também serem grandes fornecedores, o preço, que é internacional, pode subir”, diz Ardenghy.
O impacto não seria imediato. Segundo o CEO, os produtores costumam ter estoque para até três meses.
Outro produto essencial para o Brasil que passa por Ormuz e tem o preço estipulado internacionalmente é o GNL (gás natural liquefeito). Apesar de o preço ainda estar relativamente baixo, o seu encarecimento pode pesar na conta do brasileiro.
“Em período de seca é comum usar termelétricas que são abastecidas, em parte, por gás importado do Catar”, diz Ardenghy.
Segundo Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad, a atual capacidade de produção ociosa da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a expectativa de desaceleração da atividade econômica global podem diluir parte do efeito de alta da commodities à frente.
“O momento requer cautela e uma alocação equilibrada, com ativos de proteção para evitar efeitos muito agudos do momento de volatilidade no portfólio”, recomenda Paula.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos vai a encontro à ela. “O ideal é não tomar nenhuma atitude enquanto ainda é muito difícil separar o conjuntural do estrutural. É sempre importante manter a calma em eventos de maior estresse. É nessas horas que vemos o poder de uma carteira diversificada. por exemplo”, afirma.
O consenso é que o mercado financeiro deve ter pregões de forte aversão a risco, ao menos que o Irã recue rapidamente, algo tido como improvável.
“O que realmente está na mesa é a especulação ante expectativa se o Irã irá responder diretamente aos Estados Unidos”, afirma Marcos Praça, diretor da ZERO Markets Brasil. As criptomoedas já sinalizam o que está por vir, já que sua negociação é ininterrupta. Ao fim da tarde deste domingo, o bitcoin cedia 3,17%, a US$ 98,9 mil, menor valor em um mês, O Ethereum recuava 8,4%, a US$ 2.185.
Fonte: Folha de São Paulo