Manicômio tributário brasileiro tira da caixa mais ideias ruins
No início dos anos 60, e antes da sanção do Código Tributário Nacional, o tributarista Alfredo Backer cunhou a expressão manicômio tributário para retratar a desorganização normativa, a ausência de sistematização e a profusão de regras tributárias no Brasil.
Em parte, abonada pela realidade, em parte pela nossa vocação à autodepreciação, aquela expressão se consagrou como verdade perene, prevalecendo sobre iniciativas meritórias, incidentais ou estruturais, tendentes a aperfeiçoar o sistema tributário brasileiro.
Ela também tem se prestado para viabilizar objetivos pouco virtuosos do fisco ou de segmentos de contribuintes, bem como teses de matiz ideológica, a exemplo das temerárias mudanças que vêm ocorrendo na tributação do consumo e da renda.
Problemas em sistemas tributários sempre existirão. O que muda é sua intensidade ou natureza. Tributações ótimas são idealizações incompatíveis com a natureza intrinsecamente imperfeita dos sistemas tributários.
A recente reforma tributária do consumo eliminará alguns problemas atuais, porém, irá enfrentar um rol desafiador de incertezas e obstáculos: presumível aumento da litigiosidade, agravada pela inexistência do processo tributário judicial; demanda por vultosos recursos para financiar os criados fundos interfederativos, num contexto de severas dificuldades fiscais; conflitos associados à fixação dos critérios de partilha desses fundos; insubsistente modelo de gestão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); repercussão significativa nos preços de serviços, mormente os de caráter pessoal; adoção, por imposição constitucional, do split payment, ferramenta com custo, impacto e eficácia desconhecidos; propensão à concentração política na União e econômica nas regiões mais desenvolvidas.
Na tributação da renda, está em curso um processo de desestruturação sistêmica: foram criadas muitas hipóteses de isenção de aplicações financeiras; os modelos simplificados, na tributação internacional, deram lugar a modelações complexas e interesseiras, preconizadas por organismos internacionais; reintroduziu-se a tributação de dividendos de má lembrança; instituiu-se uma tosca “tributação de altas rendas”; decisões judiciais estenderam desarrazoadamente o conceito de não incidência, etc. A caixa de ideias ruins, entretanto, ainda não está vazia. Como diz um velho provérbio, às vezes, o diabo de hoje é melhor que o de amanhã. Receio que o inferno fiscal que está sendo desenhado não tardará a clamar por uma nova reforma tributária.
Fonte: Estadão
