Governo veta ressarcimento a eólica e solar para não afetar tarifa, mas mantém incentivos ao carvão
O governo federal vetou, pelo menos, 10 trechos da Medida Provisória nº 1304, de 11 de julho de 2025, que tem o objetivo de modernizar o marco regulatório do setor elétrico. Entre os pontos derrubados estão o dispositivo que previa ressarcimento, via encargos na conta de luz, dos custos decorrentes dos cortes de geração de energia, o chamado “curtailment”, e a mudança de regras no cálculo do preço de referência do petróleo, com o objetivo de aumentar a arrecadação da União.
PUBLICIDADE
Embora tenham aliviado alguns segmentos, os vetos aprofundaram tensões em outros, reacendendo debates sobre segurança jurídica, incentivos às renováveis e coerência da política energética brasileira num contexto de transição global.
O texto que saiu do Congresso permitia, por exemplo, o ressarcimento dos cortes compulsórios feitos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para reduzir os prejuízos decorrentes do “curtailment” (ONS tem de cortar a produção de energia de algumas usinas porque há muita geração distribuída, de placas solares, no sistema).
Essa indenização ocorreria por meio do repasse dos custos para a conta de luz. Na época, a estimativa da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) era que a conta pudesse chegar a R$ 7 bilhões — o que é contestado pelas empresas de fontes renováveis.
Os cortes de energia têm causado prejuízos a diversas empresas eólicas e grandes usinas solares, obrigadas a interromper a geração para manter o equilíbrio do sistema elétrico. Hoje, a oferta supera a demanda, sobretudo devido à forte expansão da geração distribuída — produzida por consumidores com painéis solares em telhados de casas e comércios. Embora o repasse dos custos à tarifa seja o ponto mais polêmico, o governo terá de encontrar uma solução para o problema.
A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Elbia Gannoum, diz que o veto ao ressarcimento trata de forma incompleta o passado e deixa o futuro “absolutamente incerto”. “Neste cenário, a indústria de renováveis do Brasil, principalmente a eólica, perde com a medida de hoje e não tem perspectiva de retomada no próximo ano”, afirmou ela. “A gente já está com um volume de demissão muito grande, de novos contratos que não são feitos e novos investimentos que não vão acontecer”, reforçou.
Ela afirma que pedirá uma posição do governo sobre o tema. “Vamos mostrar para o governo, embora ele já saiba, que nós já estamos com muitos problemas. A gente vai pedir um posicionamento urgente, porque a transição energética está em jogo, está em risco com isso”, reforçou.
A reação negativa também veio da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), que entende que a medida “mina drasticamente a confiança dos investidores nacionais e internacionais no País e prejudica a atratividade do Brasil em energia limpa, ameaçando inviabilizar novos investimentos em grandes usinas solares e eólicas no País”.
Em nota, a associação afirma que a iniciativa “eleva a percepção de insegurança jurídica e instabilidade regulatória e se traduz, na prática, em um desincentivo ao desenvolvimento de novos projetos”. A Absolar avalia, com seus associados, próximos passos em busca da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos geradores solares afetados pela decisão.
Avanços importantes, mas ainda há problemas
A Abrace reconheceu pontos positivos dos vetos e “avanços importantes” para o setor, mas destacou que ainda foram mantidos um “conjunto de problemas” no Projeto de Lei de Conversão nº 10, de 2025. Uma medida negativa mantida no projeto é a contratação em leilão de reserva de capacidade, que deverá contemplar, por exemplo, as termoelétricas a carvão mineral nacional com Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) vigente em 31 de dezembro de 2022. Segundo a associação, a medida terá impacto na tarifa de energia, A Abrace Energia vem criticando essa previsão, mencionando o impacto na tarifa de energia, já que o leilão é custeado via encargo setorial.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) também mostrou preocupação com a manutenção da prorrogação da geração a carvão mineral. Segundo estimativas da entidade, esse trecho representa um custo superior a R$ 1 bilhão por ano até 2040.
“A Fiemg já está mobilizada para atuar pela manutenção das medidas que evitam prejuízos à indústria e à sociedade, reforçando a necessidade de evitar retrocessos que afetem a competitividade industrial, a segurança jurídica e o ambiente regulatório do setor elétrico”, diz a federação em nota.
A diretora executiva do Instituto Arayara , Nicole Oliveira, considera a manutenção dos benefícios à geração de energia com carvão mineral incoerente num cenário de defesa de transição energética pós-COP-30 no Brasil.
“A organização, que havia alertado o governo em Ofício datado de 12 de novembro, considera a ausência de veto ao dispositivo pró-carvão um ‘mapa do caminho para o abismo climático’, que enfraquece a credibilidade do Brasil como líder da agenda ambiental global”, afirmou a instituição em nota.
Preço do petróleo
Outro veto importante está relacionado à nova fórmula de cálculo do Preço de Referência do petróleo, base para royalties e Participação Especial do setor. O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, a decisão manteve a flexibilidade na comercialização dos diversos tipos de óleo produzidos no País e evita futura judicialização. “Seria mudar as regras do jogo com o jogo em andamento”, afirmou.
“É um veto que boa parte do setor esperava. O governo vem sinalizando isso desde que alterou a política de preços da Petrobras, trocando o Preço de Paridade de Importação (PPI) por um modelo mais flexível”, lembrou o analista, referindo-se ao “abrasileiramento” dos preços adotado em 2024.
Arbetman destaca que, se sancionada, a nova fórmula consideraria apenas cotações internacionais, generalizando a venda do petróleo nacional. “O cálculo ficaria mais simples, mas poderia ser visto como incongruente pelas petroleiras”, observou. “Vejo o veto como positivo para a manutenção das regras. Ele evita passivos e dá maior blindagem jurídica, pois a troca de critérios no meio do jogo poderia afastar investimentos futuros”, concluiu./COLABOROU RENÉE PEREIRA
Fonte: Estadão
