Projeto que prevê a a regulamentação da arbitragem tributária no país avança no Congresso

PLP 124 é um dos projetos resultantes de uma comissão de juristas criada em 2022, presidida pela ministra Regina Helena Costa, do STJ

Bárbara Mengardo, Fernanda Valente, Mariah Aquino

A Câmara aprovou, na última terça-feira (11/11), o PLP 124/2022, que trata da solução consensual de conflitos, altera dispositivos do processo administrativo fiscal e estabelece os percentuais das multas tributárias. O projeto, elaborado pela comissão de juristas criada em 2022 para atualizar o processo administrativo e tributário, deve voltar ao Senado.

Uma das maiores inovações do PLP é permitir que a arbitragem tributária seja regulamentada no país. O texto prevê que “lei especial autorizará a arbitragem especial tributária e aduaneira”, cuja sentença será vinculante e produzirá os mesmos efeitos que uma decisão judicial.

Para Jayne Albuquerque, fundadora e diretora do Centro de Consensualidade em Matéria Tributária e Aduaneira (CCMT) e sócia do CMRC Law, ainda que o modelo proposto não reproduza integralmente os parâmetros da Lei 9.307/1996, a Lei de Arbitragem, o texto “sinaliza um avanço importante na direção de um contencioso mais técnico, cooperativo e orientado à solução de conflitos”.

“A inclusão desses dispositivos inaugura um novo campo de experimentação normativa e abre caminho para que, a partir da prática e da regulamentação futura, se desenvolvam modelos mais sofisticados e alinhados aos princípios arbitrais, fortalecendo a eficiência e a cooperação no âmbito tributário”, destaca.

Em relação às multas, o PLP, que altera trechos do Código Tributário Nacional (CTN), define os percentuais máximos das penalidades aplicadas em razão do descumprimento de obrigações principais e acessórias. O texto estabelece o percentual de 100% em casos de fraude, sonegação ou conluio, 150% se há reincidência e 75% nas demais hipóteses.

Ainda, a proposta prevê que as penalidades poderão ser reduzidas a partir do comportamento do contribuinte. Por exemplo, haverá uma diminuição de 50% a 20% da penalidade a depender do momento do pagamento —se antes do prazo para apresentação de impugnação administrativa ou da inscrição em dívida ativa— e da forma de pagamento, se integral ou parcelada. Os descontos serão ainda maiores caso o contribuinte participe de programas de conformidade.

Em relação ao limite máximo das multas, segundo o advogado Caio Quintella, sócio da Nader Quintella Advogados, a grande novidade é o fato de o PLP trazer os percentuais, que já são usados a nível federal, para uma lei nacional, que deve ser seguida pelos demais entes. Ainda, em relação à redução de penalidades, Quintella salienta que a fixação no CTN dá mais força ao instituto, que já é aceito pela Receita.

“[O PLP] incorpora [ao CTN] toda uma evolução no sentido de adoção de razoabilidade, calibração e proporcionalidade das penas, que beneficia o contribuinte inclusive retroativamente”, destaca.

Outra alteração está na necessidade de a administração tributária seguir os precedentes firmados pelos tribunais superiores em recursos repetitivos ou repercussões gerais. Hoje apenas o Judiciário é obrigado a seguir os entendimentos, o que significa que em último caso os contribuintes podem receber autuações relacionadas a temas já pacificados, tendo que recorrer à Justiça para reverter a cobrança.

Já em relação ao processo administrativo tributário, que na esfera federal é analisado em última instância pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o PLP 124 define quais elementos devem necessariamente constar no auto de infração. Itens como a descrição clara dos fatos, o dispositivo legal infringido, a penalidade aplicada e a determinação da exigência fiscal devem necessariamente estar presentes.

O texto também define os prazos e recursos cabíveis às partes, além das situações em que a administração deverá revogar seus próprios atos. Ainda, o PLP estipula o sobrestamento de processos nos casos em que os tribunais superiores tiverem determinado a suspensão coletiva de ações judiciais para a resolução do tema por meio de precedente qualificado.

Comissão de juristas

O PLP 124 é um dos projetos resultantes de uma comissão de juristas criada em 2022, presidida pela ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em setembro daquele ano, o grupo apresentou oito propostas ao Senado, que trazem, entre outros pontos, um Código de Defesa do Contribuinte e promovem alterações nas soluções de consulta à Receita.

O tributarista e professor na UERJ Marcus Lívio Gomes foi relator do PLP na comissão de juristas. Para ele, o CTN é uma das leis mais bem elaboradas do sistema tributário brasileiro, mas alguns aspectos precisavam ser adaptados à nova realidade jurisprudencial e legislativa.

De acordo com Gomes, o projeto traz mudanças estruturais, como a incorporação de normas gerais do processo administrativo tributário para disciplinar as três esferas da federação e promover a harmonização do processo administrativo fiscal federal, estadual e municipal. Outro pilar do projeto é a chegada de métodos adequados de solução de conflitos, como a mediação e a nova figura da arbitragem tributária aduaneira, com objetivo de diminuir a litigância.

“A introdução da arbitragem tributária aduaneira traz um mecanismo exitoso do Direito Privado e que hoje só existe em Portugal, mas com características distintas. O Brasil é o segundo país em número de arbitragem do mundo. O uso desse instituto no Direito Tributário permitirá que Fazenda e contribuintes, através da indicação de árbitros, sem intervenção do Poder Judiciário, possam resolver controvérsias interpretativas, integrativas e valorativas, sobre a relação jurídico-tributária”, afirmou ao JOTA.

Para ele, trata-se de uma mudança paradigmática “saindo do processo judicial e da esfera da discussão administrativa para ingressar numa esfera de autocomposição voluntária das partes”.

PL 2.486

Esse não é o único projeto em tramitação relacionado à arbitragem na tributária. O tema também é abordado no PL 2.486/2022, aprovado pelo Senado em junho de 2024 e atualmente esperando por análise pela Câmara.

Jayne Albuquerque salienta que o PL é alvo de críticas por prever um “modelo híbrido de arbitramento administrativo com aparência arbitral”. Ela destaca, entretanto, que em países como Portugal a arbitragem fiscal também se distancia da arbitragem comercial, e ambos sistemas coexistem de forma eficiente.

“[O debate sobre a arbitragem tributária] representa um passo simbólico e institucional importante, demonstrando que o país [Brasil] começa a reconhecer a necessidade de métodos alternativos de resolução de conflitos tributários e aduaneiros, pautados pela técnica, celeridade e cooperação”, opina.

Os números relacionados à arbitragem tributária em Portugal foram expostos pela coordenadora do departamento jurídico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), Tânia Carvalhais Pereira, durante participação no evento Aconcarf Itinerante, realizado em 8 e 9 de outubro em Lisboa. Segundo Pereira, em 2024 os tribunais administrativos e fiscais (TAF) receberam 2155 processos, enquanto 1424 casos foram encaminhados à arbitragem. Ainda, em 2023 o tempo médio de tramitação de impugnações judiciais foi de 58 meses. Já nos tribunais arbitrais tributários os casos levaram em média 4 meses e 15 dias até a sua resolução.

O sistema português permite que causas de até € 10 milhões sejam julgadas por meio de arbitragem. Apesar da limitação, porém, apenas 6,6% dos casos analisados passam de €1 milhão, de acordo com os dados apresentados. A grande maioria – cerca de 79,1% —envolvem até € 275 mil. Ao JOTA, Pereira afirmou que a rapidez na tramitação faz com que contribuintes com casos de menor valor prefiram a arbitragem. Para Albuquerque, do CCMT, a reforma aumenta ainda mais a necessidade de existência de uma arbitragem tributária, já que o novo sistema gerará disputas interpretativas e tensionamentos federativos. “É justamente nesse cenário que a arbitragem tributária ganha protagonismo. Trata-se de um instrumento técnico, especializado e, na maior parte das vezes, mais célere para a resolução de controvérsias complexas, evitando que divergências interpretativas se convertam em litígios judiciais de longa duração e elevado custo econômico e institucional”, diz.


Fonte: JOTA

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