Haddad: ‘Estou louco para ata do BC dizer que faço esforço fiscal relevante, mas vai chegar meu dia’
BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz não enxergar na questão fiscal a causa de a taxa básica de juros permanecer em 15% ao ano, como manteve o Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada. Questionado se deveria agradecer à autoridade monetária pelo recente controle da inflação, Haddad respondeu que é o presidente da instituição, Gabriel Galípolo, que tem agradecido pelo esforço fiscal coordenado pelo ministro.
Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, ele afirmou que o Fundo Monetário Internacional (FMI) avaliou o ajuste fiscal brasileiro como o terceiro mais ousado do mundo e que gostaria de ver uma menção ao trabalho da Fazenda também na ata do Copom.
“Estou louco para ver uma ata do Banco Central dizendo que eu estou fazendo um esforço fiscal relevante, como fez o FMI. Mas vai chegar meu dia”, afirmou.
Haddad repetiu que não há justificativa para a Selic estar no patamar atual. Ele disse que “rodou” dois modelos econométricos reconhecidos no mercado e que um deles revelou que, se a Selic estivesse atualmente em 12% ao ano – e não em 15% – a inflação seria apenas 0,2 ponto porcentual maior.
Ele reconheceu, no entanto, que há outras variáveis envolvidas e que a decisão é tomada por pessoas, não apenas pelo modelo. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Se Lula ganhar em 2026, há chance de um ajuste fiscal mais robusto, tocando em temas sensíveis como salário mínimo e a vinculação de saúde e educação à receita?
O arcabouço fiscal, conceitualmente, é a legislação mais avançada que já tivemos. Porque ele trabalha a receita e a despesa concomitantemente – o que não acontecia com o teto de gastos. Mas algumas despesas obrigatórias, pela dinâmica própria, como elas não estão submetidas especificamente ao arcabouço – embora o todo tenha de estar dentro -, algumas coisas saem da lógica do arcabouço fiscal. Isso vai ter de ser repensado.
O que impede o governo de tocar a agenda dessas despesas obrigatórias?
No ano passado nós medimos temperatura e pressão no Congresso Nacional para saber o que passava. Porque o deputado também não gosta de votar, ainda mais em temas tão sensíveis quanto esses. Para a minha surpresa, eles não aprovaram sequer aquilo que nós encaminhamos – como, por exemplo, a indexação dos fundos constitucionais. Eu queria trazer tudo para IPCA, como é no Fundo de Desenvolvimento Regional da reforma tributária. Não conseguimos.
ambém houve resistência a mudanças no BPC…
Sim, em alguns limitantes de elegibilidade de programas sociais também houve uma grande dificuldade. A Câmara votou, o Senado barrou. Então, há muita sensibilidade no Congresso Nacional. A Simone (Tebet, ministra do Planejamento) foi até mal interpretada, porque ela falou que nós vamos abrir uma janela de oportunidade de novo para dialogar com o Congresso, para esse tipo de discussão ser feita de uma maneira serena. Agora, em defesa do trabalho que eu e a Simone estamos fazendo: todo mundo dizia: “não vai cumprir meta”, “vai mudar meta”. Eu não sou desses. Acho que a área econômica perde a credibilidade quando começa a mudar regra. Este ano e no ano que vem, estou bastante seguro de que vamos cumprir, com as medidas que estamos tomando. O FMI considerou o ajuste fiscal brasileiro o terceiro mais ousado do mundo. Porque o Fundo viu também o que eu herdei. É fácil aprovar o Fundeb jogando a conta para o sucessor. “Ah, é despesa do Haddad”. Não, não é.
Por que é tão difícil convencer o Congresso do problema das despesas obrigatórias?
É difícil convencer alguém de que o problema é o salário da educação, quando você tem R$ 20 bilhões sendo gastos em desacordo com a Constituição no supersalários. Eu sentei com os comandantes das três Forças para negociar uma pequena mudança da Previdência, negociei com deputados e senadores a questão dos fundos constitucionais, mas não teve apelo. No BPC e seguro-defeso, ninguém está querendo tirar direito de ninguém. No caso do seguro-defeso é a terceira medida que a gente manda. Foram três tentativas. Duas frustradas e uma de implementação.
O que a gente escuta no Congresso é que o governo não se empenha na agenda fiscal. Não falta uma presença mais incisiva do presidente?
Mas foi ele que enviou tudo isso. O presidente aponta o caminho. Eu já aprovei tanta coisa no Congresso – reforma tributária, reforma do crédito, reforma do seguro, corte de benefício fiscal. Nós estamos encontrando caminhos para não permitir um desaquecimento irracional da economia. Eu mesmo defendi que a gente mandasse o Orçamento com crescimento de 2,5% (do PIB), tendo crescido 3,4% no ano anterior. Eu não sou daqueles que querem crescer a qualquer custo, não é assim que se faz. Você tem de crescer com equilíbrio e sustentabilidade. Eu brinco que a gente governa com uma chave de fenda, e não com uma serra elétrica.
Por que não deu para resolver o problema dos precatórios em quatro anos e o governo precisa de mais dez anos?
Porque o precatório galopou de um jeito que saiu completamente fora do controle. O (Jorge) Messias (advogado-geral da União) tem feito um grande trabalho de trazer esse número (para baixo), com boa advocacia.
Os juros reais estão muito elevados e o mercado atribui esse patamar a questões fiscais. Como o sr. avalia?
Eu acredito que nem precise estar com esse juro alto. Eu comparo o Brasil com outros países e não se justifica essa taxa de juros. O Brasil já teve situação fiscal muito pior do que a atual, com juros muito mais baixos.
Projeção de dívida tem para todo o gosto. Se você mantiver 10% de juros cada ano, vai passar de 100% de dívida. Mas ninguém acredita que isso seja necessário. É muito difícil, entre os economistas, uma divergência sobre se as taxas de juros têm de subir em um determinado momento. Geralmente, a discussão se dá em torno da dose. E, nesse ponto, é natural que haja divergência. Eu estive com os bancos na semana passada e o senso comum ali, com uma exceção, é de que os juros já deveriam estar caindo. Isso significa que alguém está sendo mais irresponsável do que o outro? Que um está olhando para o dado, o outro não está olhando para o dado – está olhando para a eleição? Não é verdade. Aqui na Fazenda, todo mundo olha para dado.
O que o governo pode fazer para reduzir os juros em um eventual quarto mandato do presidente Lula?
Todo mundo tem modelo: o banco, a Fazenda, o Banco Central. Eu vi rodar dois modelos respeitados pelo mercado: um com juros a 15% (ao ano) e outro com 12%. Eu falei: roda os dois e vê o que acontece. Deu 0,2 ponto porcentual a diferença de inflação no fim do horizonte relevante, de 3,3% contra 3,1%. Por isso que a trajetória é tão importante. Isso não é desmerecer ninguém. Eu vejo os editoriais dos jornais falando do Haddad, mas, nos EUA, o presidente Donald Trump não para de falar do presidente do Fed, Jerome Powell.
Mas o sr. acha que o Trump é uma boa referência?
Eu falo educadamente de um assunto técnico, respeitando quem pensa diferente de mim. Eu não diminuo a importância ou o conhecimento de ninguém. Agora, evitar o debate público… Quer dizer, eu sou ministro da Fazenda, não posso falar do assunto quando 300 caras lá da Faria Lima falam? O debate é saudável, não tem problema
Mas ninguém está dizendo que está dando errado o Brasil. Eu sou o primeiro a dizer que está dando certo. Eu aqui da Fazenda tenho que prestar atenção em todas as variáveis da economia. Inflação é uma delas. Eu tenho a questão do emprego, do crescimento, da saúde financeira das empresas que estão produzindo, do mercado de trabalho, de como isso vai impactar para frente, inclusive a inflação… Tem uma série de coisas que eu tenho que olhar e eu posso, com base nesse conhecimento, emitir respeito para saber de uma opinião que não é para ofender ninguém.
O sr. já agradeceu o Banco Central por ele estar baixando a inflação?
Ele me agradece direto, também, no discurso fiscal que eu faço. A gente se agradece. Estou louco para ver uma ata do Banco Central dizendo que eu estou fazendo um esforço fiscal relevante, como fez o FMI. Mas vai chegar meu dia.
E o tarifaço, ministro? O impacto na economia foi menor do que o esperado?
Olha, o Mauro (Vieira, ministro de Relações Exteriores) está no G-7, conversando agora com o (Marco) Rubio (secretário de Estado dos EUA), e a reunião técnica da qual nenhum ministro participou foi uma conversa boa. Eles apresentaram uma série de problemas, nós mandamos uma carta concreta de qual é a nossa expectativa. O Senado (dos EUA) já analisou (o tarifaço), já não gostou, o preço do café explodiu, o preço da carne explodiu. No dia que saiu o tarifaço, eu falei: é um tiro no pé. É um problema maior para eles do que para nós. Eles compram commodity, vai subir os preços lá, o café da manhã vai ficar mais caro. Não vai afetar macroeconomicamente o Brasil como eles imaginavam, embora os setores tenham sido afetados. A previsão se confirmou. E fizemos o Plano Brasil Soberano, estamos aí com R$ 10 bilhões encaminhados, mas também não explodiu a demanda por crédito barato.
O sr. acha que o programa ainda é necessário? Vai terminar agora, né? A medida do Senado deve caducar. Se precisar de outra edição, pode até pensar; mas, neste momento, eu não estou vendo uma demanda muito forte. Talvez uma medida para só contemplar quem já deu entrada. Depende um pouco da avaliação do BNDES, do MDIC. Mas eu penso que o Brasil se saiu superbem nisso. Não fez bravata, não ficou fazendo política ideológica de baixo nível.
Fonte: Estadão
