O que exportadores e economistas esperam das negociações entre Brasil e EUA após encontro Lula-Trump
Quase três meses após as tarifas de 50% passarem a valer para as exportações brasileiras aos Estados Unidos, a reunião entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, Donald Trump, trouxe alívio para representantes dos setores mais prejudicados da economia nacional. Os presidentes conversaram, em Kuala Lumpur (KLCC), na tarde de domingo, 26, por 45 minutos, em privado.
Em postagem nas redes sociais, Lula afirmou que a busca para solucionar o tarifaço começou imediatamente após o encontro. O petista pediu que Trump envolvesse sua equipe em discussões com senso de urgência, após reiterar o pedido para rever a taxação e sanções a autoridades brasileiras. Trump não tomou decisão na hora, mas deu aval para encontro entre ministros da área.
Empresários brasileiros aguardam com otimismo o decorrer das negociações. No agronegócio, representantes do setor veem celeridade nas tratativas e apostam em rápidas respostas dos países até a potencial conclusão de um acordo bilateral. Muitos acreditam em um potencial pacto bilateral já “nas próximas semanas”.
Alguns exportadores apostam na ampliação da lista de exceções de produtos brasileiros ao tarifaço como o mais iminente em detrimento de uma retirada total e linear da sobretaxa de 40%. De acordo com fontes, a proposta do Brasil de exclusão de mais itens ao tarifaço, como café, carnes, pescados e frutas, consta em documentos entregues à Casa Branca. O café, por não tem produção nos Estados Unidos, continua sendo considerado o produto de maior flexibilidade americana para retirada do tarifaço.
A gente avalia com bastante atenção e cuidado, mas com uma expectativa muito positiva o desenrolar dos fatos”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Pavel Cardoso.
Segundo ele, havia uma expectativa de que as tarifas para o café, um dos principais produtos da pauta exportadora do Brasil para os EUA, poderiam ser revertidas, quando no fim de julho o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, afirmou que alimentos não produzidos no país poderiam ter as taxas zeradas.
O desenrolar dos fatos, com o encontro entre os presidentes na assembleia da ONU (Organização das Nações Unidas) e agora na Malásia, deu consistência a essa reaproximação”, avalia Cardoso. “É provável que o café tenha as taxas suspensas até pela importância cultural e econômica que tem nos EUA. A cada dólar que os EUA importam de café, a economia movimenta outros US$ 43. É um mercado de US$ 343 bilhões ao ano, que representa 1,2% do PIB americano.”
Para ele, o produto foi um dos escolhidos para ser taxado, e ficou de fora dos quase 700 itens isentos pelo governo americano, como forma de pressão, por ter posição estratégica nas exportações brasileiras. Mas faria pouco sentido econômico manter essas tarifas, já que 76% dos consumidores americanos bebem café, o Brasil responde por 34% das vendas ao país e menos de 1% do mercado interno é suprido por plantações locais, concentradas no Havaí e em Porto Rico.
Taxar o produto brasileiro causaria também uma desconfortável alta de preços para os americanos. Segundo a Abic, por conta dos aumentos do preço da commodity, o custo do café no varejo americano já havia subido 16% este ano.
Esse é outro fator que deve contribuir para acelerar as tratativas bilaterais é a pressão do próprio setor privado americano, diante da crescente inflação de alimentos no País e do risco à popularidade do governo. “Apesar dos aumentos, o repasse das tarifas não chegou ainda nas prateleiras americanas, porque os embarques feitos até o começo de agosto não foram afetados. Mas, se as tarifas prosseguirem, terá de haver aumentos adicionais. A derrubada das taxas será muito positiva para ambos os países.”
Outro importante setor exportador, o de carne, tem conseguido contornar as tarifas altas para o mercado americano com vendas a outros países. Mesmo com uma queda de 41% de agosto para setembro nas vendas totais de carne e subprodutos bovinos para os EUA, o setor bateu recorde de exportações no último mês.
Segundo dados compilados pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), o Brasil exportou US$ 1,92 bilhão, em setembro, aumento de 49% em faturamento e 17% em volume frente ao mesmo mês do ano passado.
Ainda assim, ele comemora a aproximação entre os governos do Brasil e dos EUA. Por meio de comunicado, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) destacou que o “entendimento entre os dois países pode preservar a competitividade do produto brasileiro, garantir previsibilidade aos exportadores e ampliar a presença da carne bovina nacional no mercado americano, segundo maior comprador do Brasil e um importante destino para o setor”.
Além disso, afirmou que isso acontece em um contexto de demanda crescente por carne de qualidade, “na qual o Brasil se destaca também pela sanidade e capacidade de fornecimento”.
Peixe
Já entre os produtores de peixe o alívio pode ser ainda maior, uma vez que o produto não tem a mesma flexibilidade de fornecimento para outras partes do mundo.
Estamos otimistas. Foi dado um passo consistente. Finalmente, houve uma conversa entre quem realmente decide”, afirma o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), Eduardo Lobo. “Mas estamos preocupados, porque nada acontece de uma vez numa negociação, e o Brasil tem de escolher suas prioridades. Quem quer tudo muitas vezes não leva tudo, e o setor de pescados precisa ser uma prioridade”, diz
A estimativa da Abipesca é de que o setor terá uma perda de US$ 300 milhões, este ano, com o tarifaço, em exportações perdidas. “A gente dependia mais de 50% de nossas exportações para o mercado americano, e não existe uma segunda alternativa consistente, já que o mercado europeu está fechado há mais de 10 anos”, afirma Lobo. “Voltamos as exportações para os mercados asiático, árabe e australiano, mas eles pagam muito menos que o mercado americano. Não vamos nos segurar mantendo empregos sem a redução das taxas ou algo parecido acontecer.”
Contraproposta
Para o professor de Relações Internacionais da ESPM, José Luiz Pimenta, a reunião entre Lula e Trump abriu uma etapa formal de negociação entre os dois países para tentar reduzir tarifas aplicadas aos produtos brasileiros. Segundo ele, a reunião marca uma definição na relação bilateral. “A partir de agora, você tem uma troca mais efetiva de propostas. O Brasil já apresentou o que deseja, que é a redução tarifária. Os Estados Unidos devem apresentar suas contrapropostas, e daí se busca o consenso”, disse.
O professor avalia que o peso político por trás das tarifas perdeu espaço para o fator econômico. No Brasil, setores exportadores pressionam por alívio tarifário após perda de mercado e demissões. Nos EUA, há interesse em garantir oferta de produtos que tiveram alta de preços, como carne, café e frutas.
Outro ponto citado por Pimenta é a agenda de terras raras, insumos estratégicos para a indústria de defesa e de alta tecnologia. Segundo ele, após restrições da China à exportação desses minerais, os EUA passaram a diversificar fornecedores, firmando acordo com outros países. Nesse movimento, o Brasil passa a figurar no radar americano como ator estratégico no segmento.
O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, também acredita que a guerra tarifária entre Brasil e Estados Unidos recomeçou em bases mais razoáveis de negociação, sem questões políticas e com pontos importantes de interesse americano, como as terras raras.
“Tenho a impressão que Trump tomou suas decisões em julho baseado inteiramente em fake news. A hora que veio a realidade da questão ficou claro que não tinha sentido o stress político que estava sendo construído”, afirmou o especialista.
Vale diz ainda ser provável que haja uma distensão tarifária no futuro ou até mesmo voltar às bases das tarifas em abril, “dado que não tem razões econômicas reais para esse nível de tarifa conosco”, disse o economista.
“Seguirá sendo verdade que Trump vai se manter ativo na guerra tarifária durante todo seu governo. Como nada do que ele quer vai funcionar, ele seguirá colocando tarifas mundo afora”, concluiu Vale.
Visão conservadora
Para o economista André Perfeito, apesar de ter sido considerado um sucesso por especialistas e pelos governos brasileiro e americano, o encontro entre Lula e Trump não deve resolver as questões comerciais de ambos os países. “Donald Trump não pode, mesmo que queira, aliviar muito as tarifas sobre o Brasil. O problema central nos EUA são as transações correntes e esse tema não foi plenamente endereçado.”
Mesmo com o olhar mais conservador, o economista acrescenta que isso não quer dizer que não haja ganhos para o Brasil. O encontro pode resultar em investimentos dos EUA para explorar terras raras no Brasil. “A tendência continua ser o dólar perder força, contudo o nosso próprio déficit em transações correntes começa a preocupar.”
Perfeito lembra que nos últimos 12 meses, até setembro, o déficit brasileiro foi de US$ 79 bilhões, cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB). “Este não é o pior resultado da série histórica, mas pode entrar no cardápio de ‘justificativas’ dos operados caso não melhore os dados nos próximos dias”, afirmou. “É mais que urgente que se estanque a questão fiscal, afinal é isso que os economistas estão olhando para 2027 e sem ter 2027 no lugar a incerteza é descontada no PU (Preço Unitário) hoje. Traduzindo: a Selic não cai”, conclui o economista.
Fonte: Estadão
