Netflix não será a única afetada por decisão tributária

Eduardo Cucolo

São Paulo

Chamou a atenção na semana passada a reclamação da Netflix sobre o julgamento a favor da União na disputa que envolve a contribuição conhecida como Cide-Remessas, Cide-Royalties ou Cide-Tecnologia. A tentativa de derrubar ou restringir essa cobrança era uma das maiores teses tributárias contra o governo federal, e a briga ainda pode ter desdobramentos econômicos, jurídicos e internacionais.

decisão de agosto do STF (Supremo Tribunal Federal) levará muitas multinacionais a registrar perdas em seus balanços neste ano. A Netflix foi só a primeira.

O caso concreto analisado pelo Supremo, que tem repercussão sobre outras ações, se referia a um contrato de transferência de tecnologia entre a Scania Latin America e sua matriz na Suécia. Também atuaram na ações como partes interessadas a Petrobras e as principais associações do setor de tecnologia, que representam empresas como Meta, Google e Amazon.

As reclamações das empresas contra a Cide podem ser divididas em duas frentes. A contribuição de 10% foi criada em 2000 para tributar remessas ao exterior para pagamento de transferência de tecnologia. Em 2001, a legislação foi alterada para alcançar também o pagamento por serviços técnicos e administrativos.

Os contribuintes questionaram a ampliação: não seria possível taxar recursos de royalties, por exemplo, com um tributo criado para fomentar a inovação.

As empresas também alegam que, embora a finalidade da contribuição seja financiar programas de pesquisa científica e tecnológica, o dinheiro é utilizado para outras finalidades.

O governo nega e diz que a Cide-Royalties responde por 74% da arrecadação do FNDCT (fundo de desenvolvimento científico e tecnológico).

Na dúvida, os ministros do STF validaram a legislação atual, mas determinaram que o governo garanta que a arrecadação vá integralmente para a área determinada na lei.

A Scania recorreu ao tribunal na semana passada. Argumenta que a decisão contém “omissão, obscuridade e contradição” ao não exigir conexão entre fato gerador e finalidade da contribuição. Diz ainda que a decisão ignora uma suposta histórica falta de destinação integral da arrecadação para a área apontada, além de contrariar precedentes do tribunal.

A montadora já havia perdido uma ação em instância inferior. Já a Netflix conseguiu em 2022 afastar a cobrança, e agora terá de pagar o que não foi recolhido desde então.

A necessidade de o país aumentar os investimentos em tecnologia, especialmente no cenário atual de dependência em relação às big techs americanas, ajudou o governo a vencer a disputa bilionária. Os magistrados expressaram claramente o entendimento de que as big techs devem pagar esse tributo, embora não sejam as únicas atingidas por ele, para ajudar o país a investir nessa área. As sanções dos EUA contra o Brasil também foram citadas, diante do risco de serviços prestados por elas ao nosso país serem bloqueados.

Contribuições como a Cide não seguem o padrão OCDE. Para alguns críticos, ela se tornou um imposto digital disfarçado, embora tenha sido criada antes das discussões sobre digital taxes na Europa e alcance todos os setores. No início do ano, já havia escrito sobre a possibilidade de que o tributo entrasse na lista de práticas consideradas fora do padrão internacional pelo governo de Donald Trump nas investigações que os EUA promovem contra o Brasil, algo que não pode ser descartado, especialmente após o barulho da Netflix.


Fonte: Folha de São Paulo

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