Em cenário de crise global, devemos voltar ao básico e defender segurança jurídica, diz Fachin

Fala foi feita na mesa de abertura do XXVIII Congresso Internacional de Direito Constitucional, organizado pelo IDP

Lucas Mendes

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, disse nesta terça-feira (21/10) que, em um cenário de crise global que desafia o Judiciário, é preciso “voltar para o básico” de defender instituições e a segurança jurídica.

“Em um cenário de crise global em que papel das cortes constitucionais parece se desidratar e em que a autoridade da Constituição, do direito e do poder judiciário se mostra diluída e contestada, devemos nos voltar para o básico, e o básico é defender a institucionalidade, a segurança jurídica e o diálogo pautado pela argumentação racional e pelo exercício de direitos e deveres”, afirmou.

A fala foi feita durante mesa de abertura do XXVIII Congresso Internacional de Direito Constitucional, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília. O JOTA fará a cobertura do evento vai até quinta-feira (23/10), e reunirá autoridades dos Três Poderes.

Para Fachin, uma Corte constitucional “não pode se despir do seu papel histórico” e não está indo além dos limites constitucionais quando atua em defesa da institucionalidade. Para isso, é preciso um equilíbrio com outros Poderes.

“Isto convive, supõe e requer o respeito ao sistema de freios e contrapesos que determina uma separação dialogada entre a espacialidade do Direito e a da política. Uma dimensão que equilibre a soberania popular e os direitos fundamentais. E por isso, nesses afazeres, não raro se vê ataques à autonomia e independência judicial”, declarou.

Fachin listou três missões para as Cortes constitucionais do mundo no momento atual:

  • proteção intransigente dos direitos humanos e a superação da razão de Estado por uma razão de humanidade;
  • defesa da institucionalidade como condição de possibilidade da democracia;
  • promoção do diálogo entre cortes constitucionais e com especial destaques para as latino-americanas.
  • Para o presidente do STF, é preciso abandonar a percepção que entende a defesa dos direitos humanos como uma agenda contra o Estado, a soberania nacional, e o desenvolvimento econômico. “As violações de direitos humanos não têm fronteiras”, afirmou, ao defender uma releitura do conceito de Estado-nação para que esteja a serviço do ser humano em sua colegialidade, e não no individualismo.
  • Fachin também defendeu o cumprimento no país das decisões de Cortes internacionais de direitos humanos e de tratados dos quais o Brasil é signatário. O ministro também falou a favor do diálogo entre Cortes de outros países, visando a formação de uma rede em prol da defesa do Estado de direito.
  • Defesa das instituições
  • A mesa de abertura do evento também contou com a participação do decano do STF, ministro Gilmar Mendes, do embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, e dos professores Raffaele de Giorgi, emérito da Università del Salento, em Lecce, Italia, e Vitalino Canas, ex-deputado da Assembleia da República Portuguesa.
  • A abertura do evento também teve a presença do presidente e do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministros Herman Benjamin e Luís Felipe Salomão, e da professora do IDP e da Universidade de Brasília (UnB), Laura Schertel Mendes.
  • Em sua fala, o ministro Gilmar Mendes criticou as ações tomadas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), desde a conduta ao lidar com a pandemia até os ataques ao STF e à Justiça Eleitoral.
  • Não se queria realizar eleições, queria-se tumultuar o processo. Manifestantes inconformados com o resultado eleitoral decidem fazer acampamento em frente aos quartéis. Aqui, eles fizeram manifestação para pedir intervenção do Exército, das Forças Armadas”, afirmou. “E vem o 8 de janeiro de 2023, quando o tribunal foi invadido por essa turba que estava em frente a quartéis”.
  • Gilmar exaltou o papel das instituições para conter as ameaças antidemocráticas. “A gente pode se apresentar hoje como participantes de uma história de sucesso. A jurisdição constitucional se provou efetiva no Brasil”.
  • Defesa do Estado de direito
  • O embaixador da França destacou que a época atual é marcada por “tensas políticas sociais e tecnológicas”, com ameaças aos princípios fundamentais do Estado de direito. “Nesse contexto, as cortes constitucionais ocupam lugar central, são as garantias do equilíbrio institucional das liberdades individuais e da separação dos poderes”, afirmou.
  • Para ele, a luta contra fake news é uma necessidade no momento em que a “desinformação ameaça” as instituições. “A França no âmbito da União Europeia, implementou um corpo jurídico eficaz para proteger os mais vulneráveis e regulamentar as plataformas”, afirmou.
  • “A luta pelo Estado de direito é coletiva e começa aqui através do diálogo, estudo e confrontação de ideias. Essas trocas de experiência são a pedra angular da profunda amizade entre a França e o Brasil”, declarou.
  • Ex-deputado da Assembleia da República Portuguesa, o professor Vitalino Canas disse que há um movimento global de atuação dos tribunais constitucionais para decidir questões da alta política. “[Os tribunais decidem] não só questões de constitucionalidade, mas às vezes casos como a permanência dos principais líderes políticos”, afirmou.
  • Para o professor, essa é uma tendência que será vista com maior frequência, diante de mudanças nos sistemas partidários, mais fragmentados e polarizados.
  • Ele trouxe alguns casos dessa nova postura dos tribunais constitucionais, como decisões no Equador que derrubaram regras que permitiam a permanência do presidente, e na Romênia, em que a Corte constitucional, diante de indícios de que a Rússia estava interferindo nas eleições presidenciais, anulou o primeiro turno das eleições no final de 2024.
  • O professor Raffaele de Giorgi criticou movimentos políticos extremistas e populistas pelo mundo que pretendem destruir os princípios do direito constitucional pelo mundo, e defendeu a soberania digital como um requisito democrático.
  • “Há um tempo, o poder geopolítico passava por exércitos e tratados, mas hoje, passa por wafers de silício [usados na fabricação de semicondutores] e sistemas algorítmicos. Essas infraestruturas e arquiteturas digitais invisíveis plasmam toda a vida moderna. Quem controla as infraestruturas digitais controla as condições de possibilidade da democracia”, afirmou.
  • Segundo ele, a inteligência artificial tem tanta ideologia quanto o poder político que a financiou. “O projeto político do Vale do Silício é um projeto autoritário que reconhece só a legitimidade do império”, declarou.

O professor contestou o que chamou de estratégias do imperialismo tecnológico, “atlântico ou asiático” e defendeu um resgate da soberania pelos Estados. “As democracias que ainda existem podem responder com a construção de infraestruturas digitais através das quais a soberania e a cooperação se sustentem mutuamente”, afirmou, defendendo uma inteligência artificial de código aberto.


Fonte: JOTA

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