Uberização’: STF deve ter acordo para ampliar benefícios a trabalhador, mas sem impor CLT
BRASÍLIA – No primeiro julgamento da nova gestão doSupremo Tribunal Federal(STF), Edson Fachin, que tomou posse como presidente da Corte na segunda-feira, 29, deve ter o voto rejeitado pela maioria no plenário. Está em discussão a existência de vínculo empregatício dos entregadores e motoristas de plataformas e aplicativos com as empresas para as quais prestam serviço.
Fachin tem uma visão social da legislação e costuma votar contra os interesses das companhias. Em decisões recentes sobre ações trabalhistas, a maioria do tribunal decidiu a favor dos empregadores.
Ciente do risco de ter a posição engolida pela maioria, o novo presidente do Supremo tem como alternativa negociar com os colegas uma solução intermediária, na qual o vínculo formal não é reconhecido, mas se garantem condições mais dignas aos trabalhadores — entre elas, valor mínimo da remuneração e delimitação do horário da jornada.
A chamada “uberização” é uma causa de grande impacto social e econômico. O tema vinha sendo tratado apenas nas turmas e em decisões monocráticas. Fachin quis levar a discussão ao plenário para uniformizar o entendimento. Seja qual for a decisão tomada, ela resultará em uma tese para orientar o julgamento de ações sobre o assunto em tribunais de todo o País.
Fachin achou melhor pautar os processos, mesmo sabendo da provável derrota de sua posição, para ter a oportunidade de discutir uma solução que atenue a situação precária de trabalho de motoristas e entregadores de aplicativo. No discurso de posse, Fachin acentuou a necessidade de incluir pessoas em condições vulneráveis e grupos minoritários nos debates da Corte.
As ações no Supremo são da Rappi e da Uber contra decisões de instâncias inferiores que favoreceram trabalhadores. No início do julgamento, em 1º de outubro, os ministros ouviram em plenário sustentações orais de advogados, do advogado-geral da União, Jorge Messias, e Claudionor Leitão, pela Defensoria Pública da União (DPU).
No dia seguinte, Fachin suspendeu o julgamento e anunciou que a votação dos ministros será agendada em cerca de 30 dias. Até lá, podem ser travadas conversas de bastidores entre os ministros sobre uma decisão intermediária.
Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso anunciou sua aposentadoria e, portanto, não irá votar no julgamento da uberização. Assim, a depender de quando será feita e aprovada a nova indicação à Corte, o caso pode ser julgado com dez ministros no plenário.
Há precedentes do próprio STF que não reconhecem o vínculo trabalhista para quem trabalha em plataformas de entrega ou de transporte. Em dezembro de 2023, a Primeira Turma decidiu dessa forma ao analisar uma ação ajuizada por um motorista contra a Cabify.
No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a relação dos aplicativos com motoristas e entregadores não configura vínculo automático, desde que seja respeitada a autonomia do trabalhador. Concordaram com ele Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
A Primeira Turma decidiu da mesma maneira em fevereiro de 2024, quando derrubou, também em votação unânime, o vínculo empregatício reconhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) entre um entregador e a plataforma Rappi.
Flávio Dino não votou em nenhum dos dois casos, porque ainda não havia tomado posse como ministro. Mas, em outras oportunidades, ele defendeu que as reclamações trabalhistas deveriam ser julgadas antes em instâncias inferiores do Judiciário. O magistrado também argumentou que a reclamação é um tipo de ação que não pode ser usada para reverter decisões pró-trabalhador.
O primeiro voto de Dino no STF foi justamente a favor do reconhecimento da repercussão geral da decisão sobre a uberização, tema agora pautado por Fachin no plenário. Dino não deu indicativos de como deve se posicionar nesta questão, mas há expectativa de que se alinhe com Fachin.
Terceirização e pejotização
Antes disso, em 2020, o plenário reconheceu a legalidade da terceirização e de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, sem que isso resulte em vínculo empregatício. Na época, votaram contra o entendimento da maioria apenas os ministros Fachin, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Os três últimos já se aposentaram.
Por outro lado, defenderam a legalidade da terceirização Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Celso de Mello, que também já se aposentou.
Em um outro caso central para as relações trabalhistas em vigor atualmente, Gilmar Mendes decidiu suspender todas as ações em curso no País sobre “pejotização” — quando o trabalhador é contratado como prestador de serviço por meio de pessoa jurídica em vez de ter a sua carteira assinada nos moldes estabelecidos pela CLT.
O decano do STF deixou claro, ao tomar essa decisão, que é contrário às decisões proferidas pela Justiça do Trabalho que reconhecem a existência de vínculo empregatício entre trabalhadores na modalidade pessoa jurídica (PJ) e empresas.
Segundo Gilmar, os juízes trabalhistas têm restringido a “liberdade de organização produtiva” e se recusam a seguir a orientação do Supremo sobre o tema.
Tanto o caso da terceirização quanto a decisão de Gilmar sobre a pejotização podem jogar luz sobre o que pode acontecer nas discussões atuais sobre a chamada uberização. Os dois temas estão diretamente ligados à questão fundamental que permeia o debate em curso atualmente no STF: se há ou não vínculo entre empregador e empregado fora do modelo CLT — e, portanto, quais são os direitos dos prestadores de serviço com modelos de trabalho não convencionais.
Fonte: Estadão
