Fazenda envia a senadores avaliação sobre proposta que cria teto para a dívida pública; veja pontos
BRASÍLIA – Senadores de diferentes partidos receberam do Ministério da Fazenda as conclusões dos técnicos da Pasta sobre os impactos que a criação de um teto para a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) poderia causar sobre a economia, caso esse limite fosse ultrapassado.
Há citações de choque recessivo sobre a atividade, dominância monetária, impedimento de pagamento de benefícios previdenciários e diferentes obstáculos para o Banco Central, que podem ir desde o enfraquecimento da política monetária até o impedimento de realização de swaps cambiais e emissão de títulos do Tesouro Nacional para a autarquia
No texto enviado aos parlamentares, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, a Fazenda expõe que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) pelo conceito do BC, excluída de todas as obrigações de Estados e municípios, não poderá exceder 80% do PIB, nem ser superior a 6,5 vezes o valor da receita corrente líquida da União acumulada nos doze meses imediatamente anteriores à sua apuração.
Atualmente, a DBGG, descontados Estados e municípios, está em 75,3% do PIB e em 6,2 vezes a receita corrente líquida
Se alcançar o limite, o governo fica automaticamente sujeito ao artigo 31 da Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi criada para ampliar as regras sobre os governos regionais.
O Poder Executivo federal também terá de apresentar ao Senado em até 30 dias da divulgação da extrapolação do limite, relatório detalhado contendo as razões do descumprimento.
De forma também automática, o governo federal fica proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de receita – com exceção do pagamento de dívidas mobiliárias – e precisa obter resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite. Para isso terá de, entre outras medidas, limitar seu empenho.
Na prática, isso significará que o Tesouro não poderá emitir títulos públicos, a não ser para rolagem da dívida.
Tal vedação afetará a capacidade de financiamento do Tesouro, podendo repercutir sobre o colchão de liquidez da dívida, com possível ampliação da aversão a risco e impacto sobre as taxas de juros dos títulos públicos”, apontou o ministério, lembrando que o orçamento deste ano prevê R$ 256,5 bilhões em recursos de emissões de títulos públicos para outras despesas orçamentárias, não relacionadas a vencimentos da Dívida Pública Federal (DPF), sendo R$ 167,2 bilhões destinados a benefícios previdenciários.
“Ou seja, haveria restrição até para pagamento de despesas obrigatórias, nos termos da Constituição Federal. Também não seria possível realizar operações de crédito para honrar garantias de Estados e municípios”, alertou a Fazenda. Nem sequer emissão de títulos do Tesouro para transferência à carteira do BC estaria autorizada. Atualmente, há 12% do PIB em títulos livres na carteira do BC e 10% do PIB em operações compromissadas. “Tal vedação poderá inviabilizar a capacidade do BC regular a liquidez do mercado interbancário (uma vez que o BC não está autorizado a emitir títulos próprios).”
Mais cedo, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, disse que a redação original do projeto, relatada pelo senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), “praticamente mudaria o regime de política monetária”.
“Esse era um caso em que, sim, na forma como estava a redação original, ele teria um impacto bastante grande na forma de atuação e operacionalização, tanto da atividade que o Tesouro Nacional desempenha quanto da política monetária”, disse Galípolo, em entrevista coletiva sobre o Relatório de Política Monetária (RPM). Na terça-feira, 23, Oriovisto solicitou a retirada do texto da pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast no mesmo dia, o relator explicou que retirou o tema da pauta da CAE até a próxima semana para estudar melhor as críticas feitas pela equipe econômica à proposta. Segundo ele, se for necessário, haverá uma extensão do pedido de prazo, mas não se deve esperar grandes alterações em relação ao que já foi colocado até aqui.
No documento da Fazenda enviado aos senadores, também foi ressaltado que haveria proibição de o Tesouro emitir títulos para cobrir eventuais prejuízos do BC, que ficaria com o patrimônio líquido invertido (por exemplo, em 2025, há na LOA R$ 125 bilhões de título do Tesouro para cobertura dos prejuízos do BC em 2023).
A proposta prejudicaria ainda a capacidade do BC realizar a política cambial por meio do swap cambial, tendo em vista as restrições à emissão de dívida.
Por fim, o ajuste fiscal necessário à observância do limite da DBGG seria inviável, conforme a Pasta. “Por hipótese, se a DBGG como proporção do PIB alcançasse 81% do PIB, o ajuste fiscal seria de 1% do PIB para retomar o limite, acrescido de toda a diferença necessária para evitar o aumento decorrente da diferença entre o juro real e a taxa de crescimento real do PIB, atualmente na casa de 8% do PIB.”
No documento, além destes argumentos, os senadores receberam alertas de alguns dos pontos principais do impacto, caso a proposta seja aprovada. Como se trata de uma resolução, a matéria precisa apenas ser aprovada na CAE e depois pelo plenário do Senado. Não há necessidade de o texto receber o aval de deputados. Tampouco pode ser vetado pelo presidente da República.
Veja os pontos da Fazenda
Nos termos do Relatório, a Resolução:
- Proibiria pagamentos, inclusive, de benefícios previdenciários, que são despesa obrigatória pela CF (inconstitucionalidade). O orçamento de 2025 prevê R$ 167,2 bilhões destinados a Benefícios Previdenciários;
- Poderia enfraquecer o Banco Central: a) restringindo a operação da política monetária por meio da regulação de liquidez (operações compromissadas); b) impedindo a realização da política cambial por meio de swaps cambiais; c) vedando a emissão de títulos para cobertura dos resultados negativos do BC pelo Tesouro, com repercussão sobre seu Patrimônio Líquido;
- Afetaria o colchão de liquidez da dívida pública, aumentando a aversão ao risco, com possível impacto sobre as taxas de juros dos títulos da dívida;
- Implicaria ajuste fiscal inviável para retomar o limite da DBGG, que poderia equivaler a 9% do PIB, sendo que a despesa total é de 19% do PIB e a discricionária, 1,6% do PIB. Ajuste fiscal desta magnitude geraria um choque recessivo sobre a economia;
Geraria uma espécie de “dominância monetária”, tornando a política fiscal variável de ajuste das decisões de política monetária e cambial. Inclusive, poderia haver inconsistência entre as políticas, uma vez que, impedido de emitir dívida, o Tesouro se financiaria com ampliação de saques da Conta Única, que aumentaria liquidez do mercado interbancário, ampliando operações compromissadas, voltando a aumentar a dívida.
Fonte: Estadão
