Governo envia projeto para monitorar risco de concorrência de big techs com receita acima de R$ 5 bi

BRASÍLIA – O governo Lula enviou nesta quarta-feira, 17, ao Congresso projeto de lei para regular a livre concorrência entre big techs e plataformas de vendas digitais. A proposta prevê que empresas de tecnologia com faturamento acima de R$ 5 bilhões no Brasil, ou de R$ 50 bilhões no mundo, sejam monitoradas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Conforme antecipado pelo Estadão, o Cade vai criar uma nova unidade interna, para se especializar no assunto e avaliar se há risco para o direito concorrencial por parte dessas empresas.

“A Superintendência de Mercados Digitais (SMD) será responsável por monitorar mercados digitais, instruir os processos de designação de agentes econômicos e de determinação de obrigações especiais, submetendo-os ao Tribunal do Cade, além de observar o cumprimento das obrigações e investigar possíveis violações (postulação qualificada)”, diz o Ministério da Fazenda.

Na visão do governo, o projeto anunciado nesta qurta em cerimônia no Palácio do Planalto sofrerá menos resistência no Congresso e não será visto como provocação ao governo Donald Trump apesar de afetar as big techs, porque foi inspirado no modelo americano e também em práticas do Reino Unido, Alemanha e Japão.

O projeto monitora o risco para a livre concorrência e não tem relação com regulação de conteúdo de redes sociais – alvo de outro projeto, mas que o governo desistiu de enviar por ora.

A proposta é focada somente em “grandes atores de mercado”. “Estima-se que sejam designadas de cinco a dez plataformas que operam no Brasil”, afirma Alexandre Ferreira, diretor de Programa da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda.

Como vai funcionar

O projeto prevê o monitoramento de fatores como “número de usuários, posição estratégica para o desenvolvimento de negócios de terceiros, acesso a grande volume de dados e poder de mercado associado a efeitos de rede”.

A partir dessa linha de corte do faturamento, o Cade fará uma avaliação empresa por empresa, para monitorar riscos de concentração de mercado. Em caso positivo, um processo administrativo será instaurado, com direito de defesa por parte das empresas e possibilidade de acordos. Em um caso mais extremo, o órgão poderá impor “obrigações” a serem cumpridas pelas companhias e que poderão ser personalizadas, companhia a companhia.

“Alguns exemplos práticos de possíveis obrigações especiais são o impedimento de que a plataforma favoreça seus próprios produtos e serviços nos resultados das buscas, exigindo transparência sobre os critérios que determinam a posição de um item no topo”, diz a Fazenda. Além disso, “facilitação da portabilidade de dados para outros serviços; permissão para integração de aplicativos concorrentes; notificação ao Cade sobre aquisições de startups que possam reduzir a concorrência, entre outros”.

Integrantes do governo evitaram dizer quais empresas poderiam ser enquadradas para monitoramento pela nova lei, mas a expectativa é de que ela atinja tanto companhias americanas – como Apple, Microsoft, Google e Meta – quanto chinesas, como o TikTok, além da brasileira IFood e a argentina Mercado Livre.

A avaliação do governo é de que a lei antitruste que está em vigor hoje não tem instrumentos suficientes para lidar com a rapidez dos mercados digitais. Apesar disso, as penalidades, como aplicação de multas, serão determinadas por essa lei já em vigor.

“Essas plataformas alteraram a natureza econômica e as estratégias competitivas dos mercados. O arcabouço antitruste tradicional não tem as ferramentas necessárias para lidar com as complexas dinâmicas das big techs. O que se vê, atualmente, são ecossistemas digitais cujo controle pode ficar cada vez mais centralizado com impactos sistêmicos na economia”, explica o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto.

O projeto de lei cria dois novos processos administrativos no âmbito do Cade: a designação de plataformas de relevância sistêmica para mercados digitais e a determinação de obrigações especiais para as plataformas designadas.

Elaboração de regulação das big techs começou muito antes de tarifaço’, diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em cerimônia no Palácio do Planalto que a elaboração de regulação das big techs começou “muito antes” do tarifaço aplicado pelo governo dos Estados Unidos e mesmo da eleição do presidente Donald Trump.

“Isso começou há mais de um ano, foi objeto de consulta pública”, frisou Haddad, complementando que há registros públicos de que essa discussão com as big techs – de todas as procedências, não apenas americanas – é anterior.

“O mundo digital, de forma avassaladora, cresceu tanto e com mecanismos de concentração tão poderosos, que a legislação não acompanhou o passo a passo da concentração de poder e dinheiro que esses grandes grupos econômicos da economia digital mantêm hoje”, disse Haddad. Ele afirmou ser “dever do Estado regular um setor tão concentrado”, impedindo práticas desleais. Segundo o ministro, o Cade tem tido “experiência exitosa” ao evitar a disseminação dessas práticas anticoncorrenciais./Colaboraram Flávia Said e Gabriel de Sousa


Fonte: Estadão

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