Haddad insiste em negar que taxas reais de juros tão altas decorram do descontrole fiscal

O presidente Lula vem deixando cada dia mais claro que, afora sua reeleição, já nada mais lhe importa. Não há como ter ilusões. Serão 13 meses e meio de campanha eleitoral acirrada e dois meses de transição para o governo que tomará posse em 1.º de janeiro de 2027.

O que preocupa são as proporções do desafio que o País terá de enfrentar ao fim dessa maratona. Quaisquer que sejam as prioridades do novo governo, nada será viável se não for possível levar adiante um ajuste fiscal sério, que permita restabelecer controle sobre o endividamento público e criar condições para que a economia volte a operar com taxas reais de juros razoáveis.

É tendo em mente a importância desse desafio que se deve avaliar a reveladora entrevista do ministro da Fazenda ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, em 31/8.

Fernando Haddad simplesmente negou que haja relação entre as taxas reais de juros extraordinariamente altas com que hoje se debate a economia e o desregramento fiscal em que o País está metido. Saiu-se com uma “explicação” alternativa completamente estapafúrdia, sem pé nem cabeça: taxas tão altas decorreriam do papel que os juros estariam desempenhando na moderação dos movimentos da taxa de câmbio.

Entregue ao negacionismo, Haddad recusa-se a aceitar que o País esteja às voltas com um grave problema fiscal. Sabe melhor do que ninguém que, rompendo com o que de início fizeram todos os presidentes, desde 1999, Lula decidiu atravessar seu terceiro mandato sem assumir qualquer compromisso com a geração de superávits primários compatíveis com a manutenção do endividamento público sob controle. Haddad aceitou ser ministro da Fazenda 40 dias depois do segundo turno da eleição presidencial de 2022, quando Lula já estava ultimando a celebração de um pacto de irresponsabilidade fiscal com o Congresso.

O resultado aí está. Ao final de 2026, o governo terá passado um mandato inteiro incorrendo em déficits primários ano após ano. E terá promovido um salto de nada menos que 12 pontos porcentuais na dívida bruta do governo como proporção do PIB: de 72% para 84%. É espantoso que o ministro ainda não consiga unir os pontos e perceber que, sem redução da incerteza fiscal, o País não terá como voltar a ter taxas reais de juros compatíveis com a retomada sustentada de crescimento. A renitência de seu negacionismo deixa claro o quão despreparado está o atual governo para lidar com os desafios com que se defrontará caso venha a ser reeleito.


Fonte: Estadão

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