Fomos pegos de surpresa’: Setores exportadores lamentam e se revoltam com tarifa de 50% de Trump

Representantes de diferentes setores exportadores demonstraram surpresa, lamentaram e se revoltaram com a tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre todos os produtos importados do Brasil. Entidades que representam diversos setores apontaram para os impactos negativos para o comércio global e para o País, e afirmaram que a medida não faz sentido.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) afirmou nesta quarta-feira, 9, que a medida representa um “entrave ao comércio internacional” e ameaça a segurança alimentar global. O anúncio da medida foi feito pelo presidente americano Donald Trump, que justificou a decisão com base em questões políticas e comerciais.

“Qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”, disse a entidade, em nota, acrescentando que “questões geopolíticas não devem se transformar em barreiras ao abastecimento global”.

A alíquota de 50% começa a valer em 1º de agosto e atinge “qualquer e todo produto brasileiro”, segundo carta divulgada por Trump. Ele também instruiu o Escritório do Representante de Comércio dos EUA a abrir uma investigação formal contra o Brasil com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.

A Abiec, que representa os principais frigoríficos exportadores do País, reforçou estar “à disposição para contribuir com o diálogo”, com o objetivo de evitar que medidas como essa afetem tanto os produtores brasileiros quanto os consumidores americanos. Os Estados Unidos “recebem nossos produtos com qualidade, regularidade e preços acessíveis”, destacou a associação.

 No primeiro semestre de 2025, o Brasil exportou 3,68 milhões de toneladas de produtos agropecuários ao mercado americano. Em valor, as exportações somaram US$ 5,589 bilhões, segundo os dados do Agrostat. No caso específico da carne bovina, os EUA foram o segundo principal destino das exportações brasileiras no primeiro semestre deste ano, com 181,5 mil toneladas e US$ 1,04 bilhão em receita.

Representantes de sucos foram ‘pegos de surpresa’

O diretor executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, disse que o setor exportador de suco de laranja do Brasil foi “pego de surpresa” com a tarifa de 50% sobre as exportações aos Estados Unidos anunciada hoje. O presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou a taxação sobre todos os produtos brasileiros que adentrarem os EUA a partir de 1º de agosto. “Ainda vamos analisar os impactos, mas é uma notícia péssima para o setor como um todo”, disse Netto ao Estadão/Broadcast. “Entendemos que essa medida afeta não apenas o Brasil, mas toda a indústria de suco nos Estados Unidos, que emprega milhares de pessoas e tem o Brasil como principal fornecedor externo há décadas.”

 Com base fechamento do suco de laranja na Bolsa de Nova York (ICE Futures) de hoje, de cerca de US$ 5.480 por tonelada, já se aplicava uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada, lembra o diretor executivo. Com a taxação no início do governo Trump, de 10%, já em vigor, somam-se mais US$ 308 por tonelada. E, com a tarifa de 50% anunciada agora, o total de tarifas pode alcançar cerca de US$ 2.260 por tonelada, diz Netto, da CitrusBR. “Não se sabe, novamente, se essa tarifa de 50% será cumulativa ou não”, completou.

O Brasil é o maior exportador global de suco de laranja e o principal fornecedor da bebida para os Estados Unidos. Em 2024, faturou US$ 1,193 bilhão com embarques de sucos em geral para os EUA, sendo o principal o suco de laranja, conforme dados do Agrostat, do Ministério da Agricultura do Brasil. Em volume, foram 1,326 milhão de toneladas.

 Na balança comercial brasileira com os Estados Unidos, o segmento de sucos figura em quarto lugar no ranking de produtos agropecuários brasileiros exportados para o país da América do Norte, atrás apenas de produtos florestais (US$ 3,72 bilhões em 2024 e 4,87 milhões de toneladas exportados em 2024); café (US$ 2,07 bilhões e 472,5 mil toneladas) e carnes (US$ 1,411 bilhão e 248 mil toneladas).

Setor siderúrgico pode buscar alternativas

A tarifa de 50% deve afetar principalmente as empresas do setor siderúrgico, segundo Malek Zein, analista de ações da Eleven Financial. Ele ressalta, no entanto, que é preciso analisar “caso a caso” o efeito da medida, porque empresas brasileiras têm fábricas em outros países e podem exportar aos EUA a partir destes territórios.

 “Muitas vezes o Brasil vai ser tributado, mas você exporta para os Estados Unidos de outra fábrica, e a fábrica daqui exporta, por exemplo, para a Europa. Dá para ser contornado em alguns casos”, afirmou, mencionando que a tarifa também pode prejudicar os setores automotivo e aeronáutico do Brasil.

Consumidor americano será afetado’, dizem produtores de café

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O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) avaliou que a decisão do governo dos Estados Unidos de elevar a 50% a tarifa de importação sobre o café brasileiro pode gerar impactos negativos para consumidores e a própria economia americana. “Quem vai ser onerado é o consumidor norte-americano. Tudo que gera impactos ao consumo é ruim para o fluxo do comércio, para a indústria e para o desenvolvimento dos países produtores e consumidores”, disse, em nota à reportagem, o diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos. Ele avalia que a medida protecionista trará efeitos negativos para todo o setor.

 Para Matos, a tarifa também representa um risco direto ao comércio entre os dois países. “Os Estados Unidos são o país mais importante em termos de consumo de café, com cerca de 24 milhões de sacas por ano, e o Brasil é o principal fornecedor, com mais de 30% de participação no mercado”, afirmou. Até então, lembrou o diretor do Cecafé, o Brasil era taxado em 10% para exportar café ao mercado americano, mesma alíquota aplicada a outros concorrentes, como Colômbia e Honduras. Já Vietnã, Indonésia e Nicarágua pagavam entre 18% e 30%.

 Diante do cenário, o Cecafé intensificará a articulação com a National Coffee Association (NCA) e membros da cadeia cafeeira nos Estados Unidos, buscando uma reversão da medida. “Existe uma agenda positiva nesse sentido. O café gera muita riqueza nos EUA, que importam o produto e agrega valor com industrialização”, disse o executivo.

 Matos citou dados que reforçam a relevância econômica da bebida para os EUA. Segundo ele, para cada US$ 1 em café importado, são gerados US$ 43 na economia americana, que movimenta US$ 343 bilhões com o setor cafeeiro, equivalente a 1,2% do PIB. O segmento é responsável por 2,2 milhões de empregos no país. “O café é a bebida mais consumida nos EUA hoje, com 76% da população tomando café regularmente”, destacou.

O Cecafé mantém a expectativa de que o “bom senso prevaleça” e que a tarifa seja revista. “Estamos esperançosos de que tenhamos uma condição mais apropriada e adequada para o comércio de café do Brasil para os Estados Unidos”, concluiu.

 De acordo com o último levantamento mensal do Cecafé, os Estados Unidos lideraram as importações do produto brasileiro de janeiro a maio deste ano, com 2.874.250 sacas de 60 kg, uma participação de 17,1% em todo o volume embarcado pelo País.

Setor de plásticos vê impactos negativos diretos e indiretos

O presidente do Conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico, José Ricardo Roriz, afirmou ao Estadão/Broadcast que o segmento deve ser negativamente afetado pela tarifa de 50% dos Estados Unidos em vários níveis: pelo impacto direto em produtos plásticos vendidos para os americanos, por uma eventual diminuição de exportações de produtos que usam o plástico como embalagem e pelo ambiente econômico de incerteza.

 “O impacto está não só nos produtos plásticos que são vendidos diretamente como também nos outros produtos em que participamos do processo produtivo”, afirma Roriz. Dentre os produtos exportados estão os filmes termoencolhíveis.

Além disso, há impacto potencial no câmbio e no ambiente de negócios, o que atrapalha investimentos e a geração de empregos”, complementa.

 Para ele, o governo brasileiro perdeu a oportunidade de se manter neutro na guerra comercial global. “Nós entramos em discussões que não deveríamos ter entrado e isso acaba tendo consequências como essas, que vão piorar ainda mais o ambiente de negócios no Brasil”, afirma.

‘Um grande balde de água fria para o setor calçadista brasileiro’

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) disse receber com “surpresa e preocupação” a taxação de 50% para todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. O presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, classificou a medida como “um grande balde de água fria para o setor calçadista brasileiro”.

 A associação lembra que, em junho de 2025, o segmento registrou alta de 24,5% nas exportações ante igual mês do ano passado. O resultado foi impulsionado pelos Estados Unidos, principal destino das exportações brasileiras do setor, com crescimento de quase 40% no mesmo comparativo.

Setor têxtil: ‘Medidas unilaterais e intempestivas não servem’

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) afirmou ter recebido com surpresa o anúncio feito pelo presidente Donald Trump de imposição de uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros. A medida poderá gerar impactos relevantes nas relações comerciais entre dois países historicamente próximos, segundo a entidade, que defendeu a mobilização de canais diplomáticos e institucionais para restabelecer o ambiente de confiança e previsibilidade que sempre caracterizou a relação bilateral.

Em nota à imprensa, a Abit afirma que Brasil e Estados Unidos mantêm uma longa e sólida tradição de relacionamento político, econômico e diplomático. Os EUA, principal investidor estrangeiro no País, tem presença expressiva em diversos setores da economia. Da mesma forma, o Brasil representa um importante parceiro regional para os interesses norte-americanos na América Latina.

 A Abit reiterou a importância de preservar esse relacionamento histórico e de buscar, por meio do diálogo, o entendimento entre as duas nações. “Medidas unilaterais e intempestivas não servem aos interesses dos brasileiros ou dos estadunidenses, que compartilham valores democráticos, forte intercâmbio comercial e cultural, e aspirações comuns de desenvolvimento econômico e social.”

Indústria química diz não ver sentido econômico na decisão

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos, disse que a decisão do presidente Donald Trump de taxar produtos brasileiros em 50% não tem sentido econômico, visto que o Brasil tem uma relação comercial favorável aos Estados Unidos, especialmente na indústria química.

“Exportamos US$ 4 bilhões e importamos US$ 12 bilhões. A decisão foi tomada não olhando o comércio internacional, mas por outras razões. Aguardamos o posicionamento do governo brasileiro”, disse.

 Ele afirma que as importações de produtos químicos dos Estados Unidos são feitas com tarifas médias baixas. Ele pontua ainda que, pela lei de reciprocidade, o Brasil pode aplicar tarifas aos produtos americanos.

 A instituição participa de processos antidumping contra produtos americanos acusados de chegar ao Brasil abaixo do preço praticado nos Estados Unidos. “Esperamos que esses processos não sejam afetados, pois eles são técnicos. Acreditamos que haja base fundamentada para aplicar essas medidas como elas vem sendo aplicadas”, disse quando questionado a respeito.

Impactos podem ser graves para indústria’, diz CNI

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) expressou “preocupação e surpresa” com a imposição de tarifas de 50%.

“Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto. Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano. Uma quebra nessa relação traria muitos prejuízos à nossa economia”, avaliou Ricardo Alban, presidente da CNI, em nota divulgada na noite desta quarta.

 Citando os 200 anos de relação comercial entre Brasil e EUA, a entidade defendeu uma intensificação das negociações e o diálogo para reverter a decisão.

“Sempre defendemos o diálogo como o caminho mais eficaz para resolver divergências e buscar soluções que favoreçam ambos os países. É por meio da cooperação que construiremos uma relação comercial mais equilibrada, complementar e benéfica entre o Brasil e os Estados Unidos”, destacou Alban.

 A CNI também desmentiu a afirmação do governo americano sobre o déficit na balança comercial com o Brasil. “Os EUA mantêm superávit com o Brasil há mais de 15 anos. Somente na última década, o superávit norte-americano foi de US$ 91,6 bilhões no comércio de bens. Incluindo o comércio de serviços, o superávit americano atinge US$ 256,9 bilhões. Entre as principais economias do mundo, o Brasil é um dos poucos países com superávit a favor dos EUA”, assinalou a confederação brasileira. Por fim, a entidade sustentou que as exportações brasileiras para os EUA têm grande relevância para a economia nacional. Em 2024, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano foram criados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil, segundo os cálculos da CNI.


Fonte: Estadão

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