Brasil prepara retaliação às tarifas de Trump em meio a risco de escalada em guerra comercial
O governo Lula prepara nesta quinta-feira, 10, a retaliação à decisão dos Estados Unidos de elevar em 50% a tarifa dos produtos exportados aos EUA, em meio à expectativa de um dia de fortes perdas no mercado financeiro e de embates políticos e jurídicos. E a resposta brasileira ainda pode levar a uma escalada da guerra comercial entre os países.
Na quarta-feira, 9, o presidente norte-americano, Donald Trump, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que justifica a elevação das tarifas como uma resposta do tratamento dado pelo Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas de tecnologia.
O presidente Lula anunciou nas redes sociais que vai recorrer à lei de reciprocidade econômica, aprovada neste ano pelo Congresso. Segundo a lei, o governo fica autorizado a adotar tarifas comerciais sobre bens e serviços importados e até suspender concessões e obrigações do país relativas a direitos de propriedade intelectual.
“Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”, afirmou Lula, em nota nas redes sociais.
A medida deverá provocar uma escalada na guerra comercial. Em sua carta, Trump havia ameaçado Lula com nova alta tarifária em caso de retaliação. “Se, por qualquer motivo, você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número escolhido para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos”, escreveu Trump.
A ofensiva de Trump vai deflagrar fortes impactos na economia, na política e no judiciário no Brasil. Na quarta, a Bolsa de Valores já estava fechada quando Trump anunciou a medida. No mercado futuro, as apostas são de que a Bolsa caia mais de 2% nesta quinta, mas com a perspectiva de prejuízos à economia brasileira.
Em relatório divulgado na noite de quarta-feira, o banco Goldman Sachs avaliou que a elevação das tarifas deve reduzir o Produto Interno Brasileiro (PIB) entre 0,3 e 0,4 ponto porcentual, caso não haja retaliação significativa. “Caso o País opte por retaliar, o impacto negativo na atividade econômica e na inflação poderá ser maior”, escreveram os analistas do Goldman Sachs.
Entre os produtos que o Brasil mais exporta para os Estados Unidos estão aço, petróleo, aviões, celulose, café, carne e suco de laranja. Na quarta, os títulos da Embraer no mercado americano chegaram a cair 8% depois do fechamento do pregão regular da Bolsa de Valores. Às 21h40, também estavam em queda papéis da Petrobras, Vale, Bradesco e Itaú.
No agronegócio, o impacto deverá ser grande. Segundo o diretor executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, os exportadores foram pegos de surpresa. “Ainda vamos avaliar o impacto, mas é uma notícia péssima para o setor.” A Associação Brasileira das Indústria Exportadoras de Carnes (Abiec) afirmou que a medida representa um “entrave ao comércio internacional”. Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), os EUA consomem cerca de 24 milhões de sacas de café, e o Brasil tem 30% desse mercado.
No front político, a pressão de Trump para beneficiar Bolsonaro não deve mudar a disposição do STF em julgar o ex-presidente Bolsonaro. Ministros do Supremo disseram, em caráter reservado, à repórter Carolina Brígido, que não se impressionariam se os ataques dos EUA ao Brasil se intensificassem à medida que se aproxima o julgamento de Bolsonaro, previsto para acontecer entre o fim de agosto e o início de setembro. Segundo ministros do Supremo, esse tipo de pressão não impedirá o julgamento de ser realizado.
O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, conversou com Lula sobre a crise aberta pelo tarifaço de Trump. Ficou combinado que os integrantes do tribunal não vão se manifestar sobre o caso. A tarefa ficou com o Itamaraty, que já se manifestou.
Na quarta, o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, foi convocado para uma reunião com a embaixadora Maria Luisa Escorel, secretária da América do Norte e Europa, do Itamaraty. Maria Luisa avisou que Lula mandou “devolver a carta por meio da qual Trump anunciou a taxação por considerá-la ofensiva”, com “afirmações inverídicas” sobre o País e “erros factuais” a respeito da relação comercial entre os dois países.
Mais cedo, a embaixada americana havia dito que Bolsonaro e sua família têm sido “fortes parceiros” dos norte-americanos, e afirmou que a “perseguição política contra ele, sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil”. A nota da embaixada americana reforçou declaração de Trump na segunda-feira, 7, que falou em “perseguição” e “caça às bruxas”, além de pedir para que “deixem Bolsonaro em paz”.
Outro front aberto pelas tarifas de Trump foi na política interna brasileira. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou a decisão de Trump para cobrar do Congresso Nacional a aprovação de uma anistia para seu pai, Jair Bolsonaro. O parlamentar licenciado chega a chamar a sobretaxação imposta pelos EUA de “tarifa-Moraes”.
Eduardo, que está morando nos Estados Unidos, onde diz atuar para impor sanções contra o STF por causa das investigações contra seu pai, publicou uma nota intitulada “Uma hora a conta chega”, em que fala para que as autoridades brasileiras “evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional que restaure as liberdades.”
A medida de Trump e as falas de Eduardo viraram combustível para o discurso de petistas contra bolsonaristas. Os petistas responsabilizaram os bolsonaristas pelas tarifas e partiram para o ataque. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), disse que o partido estuda formas de pedir a cassação do mandato de Eduardo. Lindbergh também responsabilizou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), que postou foto nas redes sociais com boné dos Estados Unidos nesta semana. “Não tem dúvidas que teve a atuação do Eduardo. E teve essa campanha que estão fazendo fora do País cotidianamente”, disse Lindbergh. “Os vira-latas da direita têm que se explicar”, atacou.
Fonte: Estadão