Fraude no INSS: Cinco juízes se declararam suspeitos de julgar ação Processo foi protocolado por associação que denunciou esquema de desvios de benefícios das aposentadorias quatro meses antes de a PF deflagrar operação
São Paulo
Alguns meses antes de a operação Sem Desconto, da Polícia Federal, escrutinar as fortunas adquiridas por meio de um esquema ilegal de descontos fraudulentos de aposentadorias, uma ação que tramita no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), no Espírito Santo, teve cinco desembargadores se declarando suspeitos de julgar o caso.
A ação foi movida em dezembro do ano passado pela Abradeb (Associação Brasileira de Defesa dos Clientes e Consumidores de Operações Financeiras e Bancárias), que há anos denuncia a fraude no INSS. As declarações de suspeição ocorreram um mês após o processo ser protocolado.
Diferentemente do impedimento para julgar um caso, em que há motivos objetivos, na suspeição as causas para não participar do julgamento são subjetivas. Ser “amigo íntimo” ou “inimigo capital” são exemplos listados no Código de Processo Civil que tornam um juiz suspeito, porque comprometem sua parcialidade.
O juiz também pode alegar “motivo de foro íntimo”, sem justificar a causa da suspeição —motivo citado pelos cinco magistrados.
Segundo juristas consultados, essa situação, embora tenha previsão legal, é incomum.
O Painel S.A. questionou os desembargadores por meio da assessoria do TRF-2, mas não obteve resposta. Em nota, o tribunal disse somente que o artigo 145 do Código de Processo Civil prevê que “poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões”.
TRF-2 negou bloqueio dos descontos
Após os cinco desembargadores declararem suspeição, o relator do caso, Luiz Norton Baptista de Mattos, negou em fevereiro o pedido da Abradeb de bloqueio imediato de todos os descontos.
Mattos alegou que, apesar de investigações mostrarem irregularidades, não se sabia ainda quais descontos eram ilegais. “O bloqueio integral do repasse seria desproporcional”, disse o desembargador à época.
Ele afirmou na ação que uma auditoria interna do INSS analisou 615 requerimentos e concluiu que cerca de 55% dos casos apresentavam irregularidades na documentação sobre o consentimento.
A Abradeb diz que mais de 90% dos descontos das aposentadorias envolvem a adesão às associações sem autorização dos beneficiários.
A Abradeb ingressou com uma ação civil pública na 4ª Vara Federal Cível de Vitória (ES) no fim do ano passado contra o INSS, a Dataprev e 33 associações, como noticiou a coluna em janeiro deste ano.
A associação acusa o INSS de conivência com a fraude, porque, mesmo após investigações e auditorias internas revelarem o esquema, o instituto continuou firmando acordos de cooperação técnica com associações que permitiam os descontos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias.
O número de instituições denunciadas pela Abradeb é o triplo do que foi revelado pela PF. O montante apurado, também é maior. Documentos anexados ao processo apontam que cerca de R$ 300 milhões foram desviados mensalmente das verbas previdenciárias ao longo de dez anos, o que totaliza R$ 10 bilhões de perdas.
As investigações da PF, porém, focaram no período de 2019 a 2024, e mostraram descontos totais no valor de R$ 6,3 bilhões das aposentadorias para o recolhimentos de benefícios. Mas as autoridades ainda calculam a porcentagem desse montante que representa os descontos ilegais, sem autorização prévia dos beneficiários. Com Stéfanie Rigamonti
Fonte: Folha de São Paulo