Os efeitos do tarifaço
O tarifaço de Donald Trump foi surpreendente, para a economista Sandra Rios, especialista em comércio exterior, porque “não dava para imaginar que seria tão arbitrário quanto foi”. [esta coluna foi publicada em 4/4]
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Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), no Rio, nota que nos relatórios de barreiras divulgados pelo USTR (órgão de política comercial do governo norte-americano) em 1/4 a realidade do Brasil como país muito protecionista ficou bem delineada. Ela aponta que esses relatórios das barreiras dos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos é algo que o USTR está acostumado a fazer, e faz bem.
Assim, em relação ao Brasil, havia uma expectativa pessimista, e foi surpreendente que o País tenha sofrido a imposição da tarifa mínima do tarifaço de Trump, de 10%. Comparado, por exemplo, com 31% da Suíça, 24% do Japão ou 34% da China acima do aumento tarifário que já tinha sido efetivado.
“A sensação geral foi de alívio para o Brasil, mas para o mundo a sensação foi de terror, porque os Estados Unidos estão indo para um nível de tarifa média sem precedente”, diz Rios. A estimativa é que, em termos ponderados pelo volume de comércio, a tarifa americana fique acima mesmo do pico histórico anterior de cerca de 20% em 1930.
Um segundo aspecto do tarifaço de Trump, segundo a economista, é que os Estados Unidos “rasgaram todos os contratos”. O país, que já vinha desrespeitando os compromissos da Organização Mundial de Comércio, ignorou completamente acordos de liberação comercial firmados ao longo de três décadas, como a maioria das nações latino-americanas, Coreia do Sul, Marrocos etc.
A América Latina, com destaque para a América do Sul, tiveram tratamento melhor do que a maioria dos países atingidos, com tarifas de 10% para muitos países da região. Dessa forma, assinala a economista, para o Brasil pode até ser vantajoso em alguns setores, porque ficou menos tarifado do que países competidores que antes tinham acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Ou em relação a países em geral que foram muito mais punidos no tarifaço do que no Brasil.
Rios e sua equipe no Cindes estão levantando os produtos da pauta brasileira que podem ter sido beneficiados dessa forma. Numa primeira impressão, ele pensa, por exemplo, que as exportações de calçados brasileiros para os Estados Unidos, que foram fortemente atingidas nos últimos 14 anos pela competição chinesa, tenham chance de se recuperar agora, com uma vantagem tarifária de quase 40 pontos porcentuais. Talvez o mesmo possa ocorrer com o café, produto que os Estados Unidos importam de vários países, inclusive asiáticos como o Vietnã, violentamente atingido pelo tarifaço.
E o Brasil também pode aumentar a exportação de commodities para a China, que provavelmente vai retaliar os Estados Unidos, outro grande produtor (como o Brasil) de matérias-primas.
Por outro lado, a China e outros países asiáticos fortemente tarifados pelos Estados Unidos vão tentar jogar a sua produção excedente no mercado internacional, e Rios teme a possível reação do governo brasileiro.
A economista nota que o Brasil já tem tarifas muito altas, e a ampliação da oferta internacional pode levar setores nacionais a aumentar a pressão por mais proteção.
Ela acrescenta que, apesar da possibilidade mencionada acima de alguns ganhos setoriais, o Brasil será afetado pelo efeito macroeconômico negativo do tarifaço de Trump na economia global. A economia mundial deve desacelerar e pode até entrar em recessão, o que diminui a demanda por exportações de todos os países.
A percepção de incerteza deve continuar, já que Trump fala em “negociações” sobre as tarifas, de forma que muitas mudanças ainda podem acontecer, o que paralisa decisões de investimento.
No tema da retaliação, Rios considera que já não fazia sentido para o Brasil antes do anúncio do tarifaço, já que o País já é muito protecionista e tem muito pouco peso em termos das importações globais e americanas. Tendo sido comtemplado com o mínimo de tarifas, há ainda menos razão agora para conflitar com os Estados Unidos. No lugar disso, Rios vê mais sentido para o Brasil em trabalhar com mais afinco na agenda de acordos preferenciais de comércio, insistindo com a União Europeia para que o acordo UE-Mercosul entre em vigência, retomando o acordo – que estava quase pronto em 2019 – com a EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) e reforçando as conversas com países como México e Coreia do Sul.
Fonte: Estadão