EUA abandonam papel que tinham desde a 2ª Guerra; os impactos serão para todos, até para Trump
As novas tarifas impostas pelo governo americano sobre produtos de Canadá, México, China e potencialmente União Europeia não são apenas uma medida protecionista. A decisão de suspender a ajuda militar à Ucrânia também não é só uma mudança de prioridade fiscal. Essas escolhas refletem uma visão específica de mundo. É uma visão ultrapassada, baseada na ideia de que poder significa condicionar e fragilizar outras nações. Parceiros viram rivais. É a mesma visão de mundo que permite chamar o primeiro-ministro canadense de governador ou sugerir publicamente a anexação da Groenlândia. A banalidade com que o presidente Trump lida com fronteiras soberanas enfraquece a sustentação da estabilidade internacional.
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Essa mudança de postura rompe com a estratégia adotada pelos próprios Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Ao abrir seu mercado, financiar a reconstrução europeia e liderar a criação de instituições multilaterais, os EUA consolidaram sua liderança. Ser indispensável aos aliados foi entendido como a melhor forma de manter o poder global.
As novas tarifas e o desmonte de acordos militares estratégicos invertem essa lógica. Desde o início da Guerra Fria, a segurança europeia foi considerada uma extensão da segurança americana. Foi essa conexão que deu legitimidade à OTAN e sustentou o projeto americano de contenção da União Soviética. Agora, aliados deixam de ser parte de um sistema comum e passam a ser tratados como oportunistas.
Esse reposicionamento tem custos econômicos potenciais: menor crescimento global, desorganização das cadeias produtivas e aumento da incerteza comercial. Mas o impacto maior é menos tangível. Durante quase oito décadas, o mundo soube onde estava o centro de gravidade. Ser esse centro era o ativo estratégico mais importante dos EUA.
el que ocupam desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos criam um vazio estratégico Foto: Win Mcnamee/AP
Ao abandonar esse papel, os Estados Unidos criam um vazio estratégico. Cada país precisará buscar sua própria segurança e seu próprio espaço econômico em um ambiente em que proteções comuns são abandonadas. A fragmentação, já sentida dentro de cada país, agora é sentida no ambiente global. Ela afeta o caminhar do mundo e, principalmente, altera a forma como as pessoas pensam e se enxergam dentro desse mundo. A desconfiança entre países alimenta a desconfiança entre cidadãos e governos. Trump parece acreditar que esse novo mundo, mais caótico e dividido, será bom para os EUA. Difícil pensar que será. O isolamento forçado e a criação deliberada de desconfiança podem fazer dos EUA um país menos relevante, menos seguro e, no limite, mais pobre. O curioso é que isso não é obra de um rival externo. É um projeto doméstico.
Fonte: Estadão