Senado rompe padrão com aprovação de texto que ameaça desestabilizar ainda mais as finanças públicas

Com 57 votos e duas abstenções, o Senado aprovou recentemente um conjunto de regras específicas que favorecem as condições de aposentadoria para os agentes comunitários de saúde. São, desde logo, pessoas que fazem um trabalho valioso — mas não é esse o ponto. O projeto está agora na Câmara dos Deputados. Estima-se que o impacto sobre as contas públicas possa alcançar R$ 17 bilhões por ano. Prevê-se aposentadoria integral e paridade com o pessoal da ativa.

Essa iniciativa rompe o padrão brasileiro de buscar benefícios privados com dinheiro público. A tradição sempre foi pautada pela troca de favores. Tomemos as emendas parlamentares, por exemplo. Serão R$ 19 bilhões apenas no primeiro semestre de 2026. Os parlamentares são diretamente favorecidos; aqui não há nenhuma dificuldade de compreensão. Quem vota a favor da medida é o próprio beneficiário. Regalia na veia.

Uma segunda categoria contempla a concessão de favores fiscais a setores específicos. Segundo estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), Gastos Tributários no Brasil 2025, o Simples Nacional é o programa que mais benefícios fiscais obterá em 2025. Serão R$ 120,97 bilhões, favorecendo mais de 7 milhões de micro e pequenas empresas.

Por trás dessas empresas existem muitos milhões de eleitores, que haverão de reconhecer nas urnas as benesses (ou, mais provavelmente, reagirão com incontida fúria se algum parlamentar propuser o fim do regime).

O mesmo estudo lista a agricultura e a agroindústria como o segundo setor mais favorecido pelos gastos tributários. Serão R$ 85 bilhões em 2025 de impostos não cobrados. A lógica aqui também é a de sempre. Trata-se de um setor com impecável organização política, que faz valer seu peso econômico. A Frente Parlamentar da Agropecuária afirma contar com mais de 60% dos deputados e senadores em suas fileiras. Os benefícios aos agentes comunitários de saúde, no entanto, fogem do padrão. A lógica é outra. Não se trata de uma parcela relevante de eleitores. Tampouco são politicamente organizados a ponto de fazer prevalecer seus interesses. Aqui, há um salto de qualidade no avanço sobre o erário, já que a motivação foi apenas a vingança rasteira na disputa pela indicação do novo membro do Supremo Tribunal Federal (STF). O maior benefício se limita a provocar dificuldades ao Executivo, e, por extensão, a toda a sociedade, que terá de pagar caro se as regras especiais de aposentadoria forem aprovadas na Câmara. Pura represália de quem se compraz em desestabilizar ainda mais as finanças públicas com a mesma satisfação com que vândalos destroem praças públicas ou picham muros. O mal passou a ser um fim em si mesmo, sem necessidade de contrapartidas. Caberá agora aos deputados federais, vejam só, a correção desse desvario. A esse ponto chegamos.


Fonte: Estadão

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