Código de Defesa do Contribuinte dá poderes inéditos ao Estado contra devedor contumaz

Eduardo Cucolo

São Paulo

O projeto de lei complementar 125, que institui o Código de Defesa do Contribuinte, foi aprovado no Congresso com uma inovação em relação à proposta inicial: a previsão de punições severas para os chamados devedores contumazes.

Pelo projeto, as empresas classificadas como devedoras contumazes podem sofrer suspensão imediatada do CNPJ e a paralisação de suas atividades financeiras. Além disso, contribuintes que entrarem na definição terão seus dados divulgados no site da Receita Federal.

O texto original surgiu de uma comissão de juristas formada em 2022, que elaborou propostas para modernizar o processo administrativo e tributário brasileiro.

Relator da comissão, o advogado Marcus Lívio, sócio do Salomão Advogados, vê como positivas as mudanças feitas pelo Congresso. Mas alerta que a nova legislação dá poderes inéditos aos órgão públicos e que é preciso conter excessos.

“A legislação é muito dura. E tem que ser, porque o que temos hoje é uma total falta de instrumentos legislativos que possam amparar o Estado no combate a essas condutas, tornando a atuação dessas empresas extremamente agressiva em termos de captação de mercado, de concorrência desleal e de fraudes estruturais”, afirma o advogado.

Ele faz uma única ressalva em relação ao projeto: a possibilidade de que as autoridades apliquem os critérios objetivos previstos na lei para definir o devedor contumaz, mas sem fazer distinção entre quem está com problemas circunstanciais para pagar tributos e aqueles cujos negócios se sustentam em cima dessa inadimplência.

“O que se espera é que o poder público tenha essa sensibilidade de saber separar o devedor contumaz, que é aquele contribuinte que não paga o tributo regularmente, que monta sua operação toda em cima da fraude estrutural, daqueles contribuintes que, por uma circunstância não conseguem adimplir o tributo. A lei não visa alcançar esses contribuintes.”

Levantamentos sobre as companhias com os maiores valores inscritos na dívida ativa da União e dos estados mostram empresas investigadas por fraudes, mas também grandes multinacionais que estão entre os maiores pagadores de impostos do país, incluindo a maior estatal brasileira, que discute muitas cobranças na Justiça.

Para o jurista, a versão que saiu do Senado e foi aprovada sem mudanças na Câmara traz critérios objetivos para identificar esses devedores e não dá muita margem a interpretações. Define, por exemplo, um valor e um prazo mínimo de inadimplência para enquadramento. Também busca identificar condutas como o uso de “laranjas” e empresas fantasmas, além de outras práticas de planejamento tributário fraudulento.

Eventuais excessos na legislação, para ele, poderão ser corrigidos pelo Judiciário ao longo do tempo. Um ponto controverso levantado por outros advogados é o poder para que os órgãos públicos possam, inclusive, cancelar inscrições e cadastros, como o CNPJ da empresa, e proibir a emissão de notas fiscais.

Atualmente, alguns estados possuem legislações sobre o tema, mas não havia harmonização e sintonia entre elas, segundo o tributarista, o que também levava a discussões judiciais.

“É bem provável que tenhamos uma postura e uma atitude do Estado, com as ferramentas que a lei traz,

Em relação aos artigos do projeto que tratam do código de Defesa do Contribuinte, ele afirma que uma série de princípios e direitos que estavam previstos em leis ordinárias e decretos ou foram criados pela jurisprudência estão agora previstos em uma lei complementar.

Entre eles, questões relacionadas à segurança jurídica e à boa-fé do contribuinte, que deve prevalecer nas interpretações feitas pelo fisco. A legislação também determina que o poder público deve promover ações estruturais para redução da litigiosidade, como colocar propostas normativas em consulta pública.

Traz ainda benefícios para o contribuinte que coopera com a administração, nos programas administrados pela Receita Federal, como descontos no pagamento de tributos.

“O que se espera é uma melhora na relação jurídica tributária, que a administração e contribuintes consigam dialogar, que o contribuinte não tenha receio de levar suas dúvidas à fazenda e ser autuado, que ele possa fazer consultas sobre o seu modelo de negócio sem sofrer sanção por isso, que ele possa levar sugestões à Fazenda Pública para que ela remodele ou atualize suas leis”, afirma o advogado.

“Existe um espaço enorme para que essa relação entre contribuinte e fazenda possa melhorar, reduzir a litigiosidade e principalmente reduzir o custo tributário.

O projeto ganhou tração no Congresso a partir de operações policiais que investigaram grandes devedores, o que criou condições políticas para sua aprovação em menos de três meses. Em 2022, a comissão de juristas elaborou a minuta de cerca de dez projetos, que foram apresentados posteriormente no Senado pelo então presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Destes, apenas o PLP 125 está prestes a se tornar lei. Os outros continuam em tramitação no Congresso. Entre eles, os que tratam de mediação e arbitragem em matéria tributária e cobrança da dívida ativa de União, estados e municípios.


Fonte: Folha de São Paulo

Traduzir »