Pé-de-Meia do Judiciário: STF reconhece racismo estrutural, mas permite o racismo orçamentário

Dezembro chegou. É quando o Dicionário Oxford divulga a sua palavra do ano, tradição que aponta para um termo do momento na língua inglesa.

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A grande marca do novo governo Lula é o programa Pé-de-Meia. É aquela poupança para estudantes pobres que concluem o ensino médio. Mas outra política pública criada nos últimos anos, com orçamento equivalente, tem passado despercebida. Vamos chamá-la de Outro Pé-de-Meia.

O Outro Pé-de-Meia não foi criado pelo Executivo e Legislativo, mas pelo Judiciário. Muito se fala sobre a indesejável atuação da Justiça na criação de políticas públicas. Mas nada chega perto do Outro Pé-de-Meia, que mobiliza bilhões em orçamento.

Algumas criações, como as do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), podem até chamar atenção, mas ao fim e ao cabo elas não recebem orçamento. O que realmente tem dinheiro, e é disparada a principal política criada pelo CNJ nos últimos anos, é o Outro Pé-de-Meia.

O Pé-de-Meia da educação custa anualmente cerca de R$ 15 bilhões. Apenas estudantes em famílias com renda de até R$ 759 por pessoa participam. São 4 milhões de estudantes. O objetivo é evitar a evasão escolar, incentivar o trajeto até o ensino superior e técnico/profissionalizante, podendo combater a gravidez na adolescência e a saída para o crime.

Foi exaustivamente discutido no Congresso, e o seu financiamento foi um imbróglio que foi parar até no Tribunal de Contas da União (TCU).

O Outro Pé-de-Meia custa a mesma coisa: R$ 15 bilhões. Apenas juízes, desembargadores, promotores e procuradores recebem. São 30 mil pessoas, (1% do público do Pé-de-Meia original). O objetivo é indenizá-los, basicamente por excesso de trabalho. Não tem nome, sequer previsão em lei, não sofreu o escrutínio do processo legislativo, com votação de parlamentares das duas casas e sanção do Presidente. São pagamentos criados por resoluções de conselhos e decisões posteriores de tribunais e MPs, frequentemente em deliberações de alguns segundos.

Três a cada quatro beneficiários do Pé-de-Meia são jovens negros. Três a cada quatro beneficiários do Outro Pé-de-Meia são adultos brancos.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de racismo estrutural no Brasil. Citaram até o Emicida. Uma das dimensões mais óbvias do racismo estrutural é o racismo orçamentário. A captura pela elite de preciosos recursos públicos sem a deliberação típica da democracia, como no Pé-de-Meia branco. Sem o caminho tortuoso exigido para políticas meritórias, como o Pé-de-Meia negro.


Fonte: Estadão

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