Projeto que pune devedor contumaz empaca na Câmara e segue sem relator após dois meses e meio

BRASÍLIA – Aprovado no Senado e enviado à Câmara em 9 de setembro, o projeto de lei que pune empresários considerados devedores contumazes de impostos empacou e segue, até hoje, dois meses e meio depois, sem relator designado pelo presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Questionado pela reportagem, Motta afirmou que a demora se deve ao fato de muitos partidos demonstrarem interesse em indicar um relator. Ele não respondeu, porém, quando pretende dar andamento ao projeto.

O projeto puneempresários que têm como modelo de negócios não recolher impostos, abrindo sucessivos CNPJs para escapar do Fisco. A Receita Federal vem argumentando que a prática está sendo usada pelo crime organizado para lavar dinheiro e ocultar o patrimônio de criminosos, a exemplo do que está sendo investigado na Operação Carbono Oculto, deflagrada no fim de agosto.

O projeto cria um conceito objetivo para o devedor contumaz: uma empresa que tenha acumulado dívida superior a R$ 15 milhões, acima do seu patrimônio, sem nenhuma tentativa de repactuação há mais de quatro meses consecutivos ou após seis meses intercalados. O texto permite que a Receita dê baixa no CNPJ dessas empresas, o que as impediria de funcionar.

A tramitação do projeto começou há oito anos e foi paralisada por discussões no Congresso sobre como proteger empresários que passem por dificuldades momentâneas e, assim, acabem devendo impostos.

Na última versão aprovada no Senado, foram incluídas medidas que, na visão dos senadores, afastaram esse risco, como exceções a empresas que participem de programas de regularização ou que tenham ingressado na Justiça ou na própria Receita questionando o débito em teses já comprovadas no Judiciário como de repercussão geral.

Também foi incluída previsão de que entidades empresariais, como as confederações nacionais da Indústria e do Comércio, possam impugnar a classificação de uma empresa como devedora contumaz.

Na Câmara, porém, o tema ainda não entrou na agenda dos deputados. Desde que o Senado enviou o projeto, Motta colocou em votação apenas o requerimento do governo para que a tramitação ocorra em regime de urgência – ou seja, seja encaminhada direto para o plenário da Casa, sem passar por comissões.

Isso ocorreu em 30 de outubro e, desde então, não houve sinalização sobre quem deve ser o deputado a relatar o tema na Câmara. Isso colocou em alerta entidades empresariais que vêm militando pela aprovação do texto.

O temor é que a relatoria seja entregue a um deputado que faça o texto hibernar, paralisando de vez a discussão e a validade da norma. Há resistência principalmente em setores do PP e do PL – neste último, o pedido de urgência foi rejeitado por mais da metade dos deputados presentes à votação.

Nove frentes parlamentares empresariais, como a do Empreendedorismo e do Agronegócio, se posicionaram favoravelmente ao projeto e lançaram um manifesto, no fim de outubro, em defesa da proposta.

“O texto diferencia empresas que enfrentam dificuldades legítimas – com dívidas em discussão judicial, parceladas ou suspensas por decisão legal – daquelas que utilizam a inadimplência de forma estratégica para obter vantagem competitiva irregular sobre quem paga seus tributos corretamente”, diz o manifesto.

Ainda assim, como mostrou o Estadão, há defecções dentro desses grupos. No dia da apresentação do manifesto, por exemplo, na Frente do Brasil Competitivo, nenhum parlamentar do PP apareceu, nem mesmo o presidente da frente, Júlio Lopes (PP-RJ).

Nos bastidores, a aversão ao tema é notada principalmente na bancada do Progressistas (PP), partido comandado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), padrinho político do presidente da Câmara, Hugo Motta.

Defensores do projeto, por sua vez, já se apresentaram sugestões para assumir a relatoria, como Alceu Moreira (MDB-RS), que preside a Frente Parlamentar do Biodiesel (o setor de combustíveis é favorável ao texto), Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Danilo Forte (União-CE), que já relatou projeto de lei semelhante na Câmara paralisado por discordâncias com o setor privado. Na última terça-feira, 18, o líder do governo José Guimarães (PT-CE) fez novo requerimento ao presidente da Câmara para que ele coloque o projeto em votação. O pedido é um elemento de pressão, mas a decisão final está nas mãos de Hugo Motta.


Fonte: Estadão

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