Pautas-bomba’ no Congresso podem custar mais de R$ 100 bi aos cofres públicos em dois anos
BRASÍLIA – Com a piora da relação entre o governo Lula e lideranças do Congresso, uma série de projetos com impacto fiscal pode ir à votação e agravar o desequilíbrio das contas públicas. Somente quatro medidas em tramitação na Câmara e no Senado, se aprovadas, poderiam gerar um impacto aos cofres públicos (seja com aumento de despesas, seja com perda de receitas) acima de R$ 100 bilhões em 2026 e 2027.
Esse risco cresceu mediante a insatisfação dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil — AP), e da Câmara, Hugo Motta, que nos últimos dias entraram em rota de colisão com o governo Lula.
No Senado, Alcolumbre pautou a votação do regime especial de aposentadorias dos agentes comunitários para o plenário da Casa apenas duas horas após a indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF), por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto foi aprovado em plenário nesta terça-feira, 25, e agora segue para a Câmara.
Alcolumbre também marcou para a próxima quinta-feira uma sessão do Congresso para a votação que pode derrubar o veto dado pelo presidente Lula ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). No plenário, contudo, Alcolumbre negou que esteja retaliando o governo.
Jamais tomaria alguma iniciativa em retaliação a qualquer coisa que seja. Tenho muita tranquilidade e serenidade em relação à minha conduta”, afirmou.
Quanto ao regime especial de aposentadoria dos agentes comunitários, a Câmara já havia aprovado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o mesmo teor. Alcolumbre, no entanto, decidiu votar um projeto de lei de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB) e que poderia ser levado diretamente a plenário, sem a necessidade de passar por comissões, como aconteceria com a PEC. A decisão foi vista na Casa como uma forma de retaliação ao governo Lula.
Pelas contas da XP Investimentos, a proposta vai aumentar custos em R$ 2 bilhões para o governo federal no ano que vem, que é obrigado a arcar com novas obrigações para os entes subnacionais criadas pelo Congresso.
Pelos cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), o impacto atuarial da medida (ao longo de 70 a 100 anos) pode chegar a R$ 103 bilhões, agravando o déficit dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).
O PLP representa um potencial impacto de R$ 103 bilhões aos Municípios ao elevar o déficit atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que atualmente já supera a marca de R$ 1,1 trilhão”, diz a CMN.
Outra preocupação com o texto é que ele gere um efeito cascata, com outras categorias reivindicando o mesmo tratamento de aposentadoria especial dos agentes comunitários. Além de idade mínima, eles terão direito à paridade (igualdade nos reajustes) e integralidade (recebimento do salário integral na aposentadoria) dos benefícios.
Há um custo indireto, de uma possível contrarreforma para os servidores públicos, com a volta da integralidade e da paridade para os agentes de saúde. Outras categorias também vão querer isso”, afirmou Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.
Nesta segunda-feira, 24, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que recomendará veto ao presidente Lula desse projeto e já adiantou que o tema poderá ser judicializado caso o veto seja derrubado pelo Congresso. Durigan argumenta que o Legislativo está elevando despesas sem as devidas compensações, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na Câmara, o clima com o governo também se deteriorou, a ponto de Hugo Motta afirmar que não falaria mais com o líder do governo na Casa, deputado Lindbergh Faria (PT-RJ). Em resposta, Faria disse que a reação de Motta era “imatura”.
Teto maior para MEIs
Na Câmara, está em tramitação um projeto que aumenta os limites de enquadramento de empresas nos regimes do Simples e do Microempreendedor Individual (MEI), o que pode resultar em uma perda de receitas de R$ 22,7 bilhões em 2026 e de R$ 24,9 bilhões em 2027.
Pela proposta, o teto de faturamento anual do MEI subiria de R$ 81 mil para R$ 144,9 mil; o da microempresa (ME) sairia de R$ 360 mil para R$ 869,5 mil; e o da empresa de pequeno porte (EPP), de R$ 4,8 milhões para R$ 8,69 milhões.
“Com isso, uma parcela maior de empresas seria enquadrada como MEI, ME ou EPP, fazendo jus ao regime tributário simplificado e carga tributária reduzida”, alerta a XP Investimentos em relatório a clientes.
A proposta foi aprovada no Senado e na Câmara já obteve parecer favorável das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Finanças e Tributação.
Um outro projeto, com conteúdo semelhante, também foi colocado para votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, presidido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) para esta quarta-feira, 25.
Benefício de Prestação Continuada
Na Câmara, outra proposta com forte impacto é a que amplia os critérios de elegibilidade do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, é uma das principais preocupações da equipe econômica, porque vem tendo um crescimento acelerado nos últimos anos.
Pelo projeto, teriam direito ao BPC famílias com renda per capita de até meio salário mínimo — acima da linha de corte atual, de um quarto de salário mínimo. Além disso, seriam deduzidos do cálculo para compor a renda os valores recebidos via BPC por algum integrante da família ou outros benefícios de previdência, em até um salário mínimo.
Pelas contas da XP Investimentos, o impacto anual da medida poderia chegar a R$ 12,2 bilhões no ano que vem, mas subindo para R$ 24,9 bilhões no ano seguinte.
De janeiro a setembro deste ano, os gastos com o BPC já dispararam 10,2% acima da inflação, segundo dados do Tesouro Nacional, saindo de R$ 82,18 bilhões para R$ 95,25 bilhões, em termos nominais.
No final de 2024, o Congresso derrubou as medidas para apertar o BPC dentro do pacote de cortes de gastos enviado pelo governo. O tema é de extrema sensibilidade nas duas Casas, que agora podem adotar medidas no sentido contrário, afrouxando ainda mais as regras.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, também teme pela aprovação do projeto de lei que concede adicional de insalubridade para os professores de educação escolar. A CNM prevê gastos de R$ 6,5 bilhões por ano com a proposta. O que está acontecendo é que o Congresso está, de forma irresponsável, tomando iniciativas com forte impacto para as finanças públicas municipais. A cada dia brota um projeto novo em uma comissão, quando não vai diretamente a plenário”, afirmou Ziulkoski.
Fonte: Estadão
