Mendonça associa decisão do STF sobre Marco Civil da Internet a ativismo judicial
São Paulo
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça afirmou nesta segunda-feira (17) que a corte deu exemplo de ativismo judicial no julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
A declaração foi dada em um almoço empresarial do grupo Lide, do ex-governador de São Paulo João Doria —desafeto de Jair Bolsonaro (PL), que indicou Mendonça ao Supremo.
“Nós criamos restrições sem lei. Isso se chama ativismo judicial, que muitos colegas defendem. Eu não defendo, porque a Constituição não me permite”, disse o ministro do STF ao responder a perguntas da plateia.
Mendonça se sentou na mesa junto com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), do vice-governador, Felicio Ramuth, do presidente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Leonardo Sica, e outras autoridades e empresários.
A decisão do STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet aumentou a responsabilidade das plataformas digitais sobre postagens de terceiros e criou o dever de cuidado sobre os conteúdos. Mendonça abriu a divergência e defendeu a manutenção da norma.
Foram 8 votos a 3 por aumentar a responsabilização das big techs, com votos dos relatores Dias Toffoli e Luiz Fux, além de Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. A corrente majoritária entendeu que o texto em vigor era insuficiente para proteger direitos fundamentais na internet.
O debate se deu em torno do artigo 19, em vigor desde 2014 e que diz que as plataformas só deverão indenizar usuários ofendidos por postagens de terceiros se descumprirem ordem judicial para remoção de conteúdo.
O acórdão sobre a decisão foi publicado no último dia 5, após 132 dias do julgamento do caso pela corte.
No evento do Lide, Mendonça demonstrou preocupação com o tema da segurança pública. O tópico foi apresentado como um dos indicadores mundiais de governança.
“Quem entende de segurança pública sabe que, às vezes, a gente quer tratar um problema de câncer com pílula de AAS”, disse Mendonça, que afirmou não estar defendendo “A, B ou C”.
“Estou dizendo que nós temos um problema sério de segurança pública. […] Segundo me foi passado por autoridades, 40% do território da Grande Rio está dominado pelo crime organizado”, afirmou na sequência.
A fala acontece no contexto da Operação Contenção, que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro. A investida policial foi a mais letal da história e acelerou o debate sobre a necessidade de um marco legal de combate às facções criminosas.
A dimensão da segurança pública apresentada por Mendonça é listada pelo Banco Mundial como indicativo de boa governança. Nesse critério, é levado em conta o risco de ameaças terroristas, definido pela instituição financeira como “atividades de qualquer grupo armado não estatal ou indivíduo que causem danos ao patrimônio, à vida ou ferimentos”.
Os demais critérios apresentados pelo Banco Mundial incluem “voz e responsabilidade”, “eficácia do governo”, “qualidade regulatória”, “estado de Direito” e “controle da corrupção“.
Ao abordar este último tópico, Mendonça fez referência ao inquérito que apura descontos ilegais de aposentados e pensionistas do INSS, do qual é relator no Supremo. “As primeiras prisões que decretei em quase quatro anos de STF foram agora. Não fico feliz em decretar prisão ainda, mas diante do que se revelou, foram necessárias”, afirmou.
O ministro disse não poder entrar em “questões do inquérito”, mas afirmou se comprometer em ser “responsável” com o direito de defesa dos acusados e com a apuração dos fatos.
“Se haverá culpados ou não, é algo que vamos ver no final do processo. Da minha parte, não vou perseguir ninguém, mas não cabe a mim deixar de apurar e de investigar aquilo que precisa ser investigado”, afirmou.
Mendonça também comentou como lida com discordâncias no STF, afirmando “não divergir do colega, mas da ideia”. Ele defendeu que ministros façam “concessões, às vezes legítimas e recíprocas, que permitem um caminho no melhor resultado”.
“Eu não me importo de ser vencido. Eu me importo de sair na dúvida se foi o melhor voto que eu dei”, disse.
Mendonça se envolveu recentemente em uma discussão com o ministro Dias Toffoli durante uma sessão da Primeira Turma do STF. O órgão debatia qual seria o juízo competente para analisar uma ação por danos morais movida por um juiz federal contra um procurador do MPF (Ministério Público Federal). A referência de Mendonça a um voto de 2021 dado por Toffoli em um recurso sobre o mesmo caso desagradou o colega, que o acusou de deturpar o conteúdo da decisão e disse estar exaltado pela “covardia” de Mendonça.
Fonte: Folha de São Paulo
