Estamos tendo ‘sanha arrecadatória’ do governo, diz Alban, da Confederação da Indústria

BRASÍLIA – O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, disse que o governo federal atua com base em uma “sanha arrecadatória”. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Alban avaliou que, se setores diferentes forem tratados de forma igual, o que haverá é um aumento do que chamou de “injustiça tributária”.

“A ideia de cortar 10% (nos benefícios tributários) voltou agora com a queda da MP (medida provisória alternativa à alta do IOF). Eu topo apoiar essa ideia. Vamos reduzir todo mundo 10%. Vamos reduzir 10% do orçamento discricionário (opcional) do Congresso, do orçamento discricionário do Executivo e do orçamento discricionário do Judiciário”, afirmou.

Alban elogiou o governo Lula por recriar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), mas disse que o programa Nova Indústria Brasil (NIB) é um “embrião de política industrial”.

A respeito dos avanços nas negociações com o governo americano sobre o tarifaço, Alban disse que os ruídos políticos na relação com os Estados Unidos estão sendo superados. “Acredito firmemente que nós podemos estar convergindo no médio prazo para a discussão de (alíquota de) 10%, e alguns produtos em zero.”

Crítico contumaz da atual política de juros, o presidente da CNI afirmou que a Selic está desproporcional e poderia ser “bem mais baixa”, agregada à utilização de outra ferramenta de política monetária, o depósito compulsório. Na avaliação dele, o Banco Central é incoerente ao manter a Selic alta para inibir o consumo ao mesmo tempo que apoia o crédito consignado privado.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual avaliação o sr. faz da nova fase da negociação entre Brasil e EUA em torno do tarifaço?

Ficamos bastante satisfeitos que a coisa esteja caminhando. Se a gente for olhar para um tempo atrás, o pessimismo era muito mais evidente do que o otimismo. Óbvio que houve ruídos políticos, que parecem que estão sendo deixados não como primeiro plano, e torcemos que isso aconteça, foi o nosso objetivo de ter ido a Washington.

O que a missão liderada pela CNI levou aos americanos?

Apresentamos aos EUA três eixos de entendimentos que são convergentes, e são pontos críticos. Primeiro, a discussão do etanol, nós entendemos que passávamos por soluções criativas de mercado, não de restrições recíprocas, porque o etanol pode ser uma grande matéria-prima para o combustível sustentável de aviação (SAF), por exemplo. Poderemos ser o grande fornecedor para o SAF, para o mundo, porque temos a competitividade natural. Em segundo lugar, falamos sobre data centers, o grande insumo para eles é energia, e o que o Brasil tem mais hoje é energia limpa sobrando. E o terceiro seria através das terras raras, onde o Brasil, mesmo não tendo toda a sua geologia explorada e mapeada, é a terceira maior reserva de minerais críticos e terras raras do mundo.

O que vocês esperam das negociações com os EUA? Que seja ampliada a lista de exceções, que a tarifa de 50% caia de vez…

(Zerar os) 50% é muito pouco provável, sendo realista. Não tem nenhum país com alíquota zero hoje nos EUA. Mas temos grande chance, talvez no primeiro momento, de haver algumas exceções que são impactantes. Acredito firmemente que podemos estar convergindo no médio prazo para a discussão de (alíquota de) 10%, e alguns produtos em zero, como é o caso da aeronáutica.

Há quem diga que o Brasil é muito protecionista. O sr. acha que o momento exige?

O primeiro argumento que veio dos EUA foi dizendo que nossa tarifa média de importação é de 2,7%. Mas 70% das importações americanas do Brasil têm tarifa zero, e quando você pega a média ponderada do imposto de importação, é muito inferior ao que os EUA dizem. Temos alguma proteção, mas o mundo está fazendo isso agora. Agora em novos mercados, o Brasil fez o acordo com o Efta, está discutindo o acordo com o México, estamos discutindo um acordo bilateral com o Japão. Mas nós temos o custo do Brasil, nós não temos a competitividade da industrialização de muitos países.

O que falta para a indústria seguir na mesma toada do agro? Inclusive no Congresso, onde o lobby é muito forte.

O agro tem uma vantagem em relação à indústria, que é difícil para nós. O milho não briga com a soja, a soja não briga com o arroz, o arroz não briga com o café, são sistemas complementares de rodízio ou que são específicos para determinada região. Na indústria, naturalmente você tem conflitos dentro das cadeias, por isso existem tantas associações setoriais de indústria. Não podemos esquecer que, ao longo desses anos, não houve qualquer política industrial desse País.

E o sr. considera que agora tem havido?

Acho que a gente tem agora um embrião que se chama NIB (Nova Indústria Brasil), feita pelo vice-presidente da República, então tem uma representatividade maior. Viemos sem nem ter o Ministério da Indústria e Comércio. Como se justifica o Brasil ter ficado quatro anos sem (durante o governo de Jair Bolsonaro)? Não é lobby não, é a importância do setor. Não existe nenhuma economia no mundo que teve crescimento sustentável sem desenvolvimento industrial, e esse é o primeiro ponto do Trump nos EUA, é ter a política industrial mais firme e reativa ao crescimento exponencial que teve a China. A volta do Ministério da Indústria foi um bom sinal, o fato de que nós participamos da discussão da NIB é um bom sinal, claro que não é a ideal, mas é um pontapé inicial.

Como avalia a atuação do vice-presidente nesse cenário?

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Ele tem a representatividade maior, um histórico muito mais afável e negociador. O Brasil não tinha expertise em política industrial. É uma conquista passo a passo, como foi a política agrícola. A lógica de não ter tido um ministério é que representamos a grande arrecadação tributária, e era muito melhor estar tudo isso dentro do Ministério da Fazenda empoderado, para ter o controle efetivo sobre possíveis ações setoriais. Mas estamos tendo outra sanha arrecadatória aí de fato. Aliado a essa realidade, o que faz essa política monetária tão expressiva? O serviço da dívida explode, eu já tive a oportunidade de conversar isso com autoridades monetárias, para não citar nomes. Você tem em cima de um serviço da dívida, essa é a preocupação que o mercado financeiro transmite. Mesmo que ainda não exista uma confiança total na convergência (da inflação) para o centro da meta, as projeções que estamos tendo são reduções, até mesmo as feitas pelo Focus. Por que não são desta vez também tão proativos como foram antes? Querem manter e inibir o consumo, mas vi o Banco Central apoiar a iniciativa de investimentos consignados para o setor privado. Meu Deus, vamos ser coerentes. Eu não sou contra, porque isso para nós é importante ter o consumidor com capacidade de consumo. Eu creio firmemente que a Selic está fora da dosimetria.

O sr. discorda da tese de justiça tributária do governo?

Não gosto de falar de justiça tributária. Gastos tributários é o que o nosso amigo (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad costuma falar. E eu digo que eu não gosto de usar esse nome porque reflete mais injustiça social. Como é que se trata uma injustiça? Se você tratar todos de forma igual, você está aumentando a injustiça. Não é lógico isso? Então, o que querem fazer é injustiça tributária. Vou tirar, vou corrigir alguma distorção que tem aqui nesse setor. Não importa o setor. Mas vou compensar com o setor que preciso estimular. Vou, porque é aquele setor que pode me dar mais retorno, até político, mais retorno mesmo para a economia. Um efeito multiplicador. Isso é racionalidade das cargas tributárias, já que estão num patamar alto. A ideia de cortar 10% (nos benefícios tributários) voltou agora com a queda da MP (alternativa à alta do IOF). Topo apoiar essa ideia. Vamos reduzir todo mundo 10%. Vamos reduzir 10% do orçamento discricionário (gastos opcionais) do Congresso, do orçamento discricionário do Executivo e do orçamento discricionário do Judiciário. Vamos dar bons exemplos de compromisso, inclusive para a expectativa do mercado financeiro. Seria uma coisa bem plausível.

Quais são as expectativas para a Selic no fim de 2025 e de 2026? Avalia que ela poderia estar abaixo de dois dígitos? Com certeza, pela própria tendência. E tem mais, se quer inibir o consumo e trabalhar do lado da demanda, pode-se fazer o mesmo sem ser tão agressivo com o serviço da dívida. Não existe só a ferramenta juros, Selic. A ferramenta de depósito compulsório foi muito usada no passado e foi usada, inclusive, no setor do agronegócio. Uma boa parte do depósito compulsório era usado para financiar o crédito rural. Você pode injetar especificamente para investimento, para garantir o aumento da oferta. Se ainda é para ser contracionista, não vamos conseguir mudar, então seja racional. Com todas essas dificuldades, você está desestimulando o empreendedorismo, o aumento da capacidade de oferta.

O Copom não tem dado sinais de que vai reduzir a Selic.

Não. Então, uma das nossas reivindicações é participar do Conselho Monetário Nacional, mudando a regra da composição. Só tem governo lá, vamos resolver a economia real. Já mostramos publicamente essa proposta. Mas é uma decisão que eu sei que não será ouvida.


Fonte: Estadão

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