Roncaglia, do FMI, não vê expansão fiscal no Brasil e diz que país está bem posicionado

Ao JOTA, o diretor-executivo do Brasil no FMI reconhece que juro está alto, mas destaca que BC trabalha em redesenho da atividade bancária

Fabio Graner

O diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), André Roncaglia, avaliou, em entrevista exclusiva ao enviado especial do JOTA a Washington, o analista-chefe Fabio Graner, que o Brasil não é um caso preocupante de endividamento, diferentemente do que está ocorrendo nos países avançados, e que a política fiscal em curso no país está bem posicionada para enfrentar o cenário de desaceleração econômica internacional sem sair da trilha prevista nas metas de resultado primário.

Ele contesta a tese predominante no mercado de que haverá uma expansão fiscal significativa no Brasil até o ano que vem e destaca que o governo brasileiro está alinhado com a sugestão do FMI de manter um esforço do lado fiscal, garantindo que qualquer aumento do lado do gasto seja financiado por aumento de receitas.

“Se você vai cumprir a meta, e a meta é de ter um superávit próximo de zero e, no ano que vem, um superávit pequeno de 0,25% do PIB, você não tem expansão fiscal. Ao contrário. Você entra num espaço de contração, de leve contração fiscal”, disse.

“A expansão fiscal, da maneira que estão colocando, é como se o governo estivesse mudando a meta fiscal. Esse é o meu ponto. Ainda que você tenha mecanismos para estimular gastos que não entrem na meta, o meu entendimento é que o governo não está fazendo isso […] O que eu acho que é importante frisar — e aqui, do ponto de vista do FMI, o que se espera dos países, das autoridades, principalmente num cenário conturbado — é manter-se no esforço. E eu acho que é importante, nesse sentido, perseguir a meta fiscal, como o Ministério da Fazenda [está fazendo], e o Banco Central perseguindo a meta de inflação, sem descuidar de como a economia anda, do emprego, da atividade econômica”, completou.

Sobre o juro no Brasil, ele destacou que o BC está fazendo um trabalho dentro do seu mandato principal, de levar a inflação para a meta, mas sem “desconhecer” a questão da atividade. “O Banco Central está trabalhando muito numa agenda de inclusão financeira, numa agenda de redesenho da atividade bancária e no fortalecimento de uma série de regulações que protegem a economia”, destacou.

O representante brasileiro no Fundo também afirmou que o mundo pós-tarifaço está melhor do que se esperava, mas considera que há riscos à frente e que o cenário de desaceleração global para o próximo ano é um fator de atenção. Roncaglia, um interlocutor privilegiado da equipe econômica brasileira, terá uma agenda intensa nesta semana do Encontro Anual do FMI/Banco Mundial, que começa nesta segunda-feira (13/10).

Leia abaixo os principais pontos da entrevista ao JOTA:

Economia global: resiliência temporária, mas fragilidade à frente

A economia global vai responder melhor do que se esperava desde 2 de abril, pelo efeito das tarifas, mas ela não está ainda sólida o suficiente para se prever um cenário futuro muito positivo. A razão disso é exatamente a reação imediata que ocorreu da parte de países, empresas e governos, de se antecipar aos efeitos do choque tarifário — o chamado front-loading. Todo mundo antecipou compras, investimentos, importações, e isso dinamizou a atividade econômica. Porém, esse movimento vai parar em algum momento e, quando ele parar, veremos emergir fragilidades subjacentes, principalmente na área do consumo e do investimento.

Brasil nesse cenário

O Brasil entra em um grupo muito importante, o dos países em desenvolvimento, que estão sustentando o crescimento econômico global. Mais de dois terços do crescimento global é sustentado pelos países em desenvolvimento, principalmente aqueles que têm uma base de investidores local. A combinação desses dois elementos oferece aos países em desenvolvimento uma capacidade de resiliência maior.

Observa-se que o Brasil se destaca como um país com um sistema político, apesar do calor do momento, sólido, com instituições fortes e resilientes, que estão sustentando os questionamentos. As instituições vêm ganhando escala planetária, e há um governo que está, a despeito das dificuldades e de todo o cenário político, avançando em reformas fiscais críveis. E um Banco Central cuja independência não está sendo questionada de nenhuma forma, mostrando atuação no sentido de controlar as pressões inflacionárias.

Preocupações fiscais gerais e o Brasil

Olhando o mapa global, vê-se que o Brasil definitivamente não é um panorama opaco ou preocupante, porque o grosso do endividamento que está ocorrendo nos países está no hemisfério norte, nas economias ricas. É ali onde as dívidas públicas mais preocupam. Então, numa perspectiva global, percebe-se que todos os países estão enfrentando desafios com seus arranjos fiscais.

A parte positiva para o Brasil é que a gente começou esse processo já em 2023, com o início do governo Lula, e existe um aprendizado sendo construído ao longo desse tempo. Aqui dentro não há, ainda, a preocupação de que o Brasil está aumentando gastos. Ao contrário, porque grande parte do entendimento do governo é de que os gastos vão crescer com compensações em termos de arrecadação.

A discussão da MP no Congresso na semana passada é, evidentemente, uma notícia que preocupa em termos de arrecadação, mas o governo ainda tem outros instrumentos de que pode lançar mão […].

Fiscal e ciclo eleitoral no Brasil

Como ainda estamos em 2025, é cedo, para efeito do Fundo e do nosso trabalho, analisar o ciclo eleitoral. A avaliação do Fundo é que, a partir do ano que vem, haverá uma desaceleração econômica global, incluindo o Brasil. Isso já vinha sendo apontado desde a primavera e se sustenta agora.

Evidentemente, eu ainda não posso te falar os números porque o relatório [World Economic Outlook, WEO] precisa ser publicado, mas existe uma desaceleração. O importante é que, exatamente quando esses efeitos dessa resiliência limitada e seletiva e essas fragilidades emergirem, o governo [brasileiro] estará tentando honrar a meta fiscal, fazendo isso pelos dois lados do balanço: tanto por meio de contenção e realocação de gastos quanto por uma recomposição da base tributária. E por que isso é importante? Porque, em geral, a gente tende a olhar só para o resultado fiscal, mas esse resultado vem com uma mobilização de recursos importante. Não se trata de gastar mais com os mesmos grupos, nem de arrecadar mais com os mesmos grupos.

A arrecadação está sendo redirecionada para grupos historicamente subtributados e que detêm uma série de privilégios. Inclusive, o Fundo Monetário vem apontando para a questão das renúncias fiscais.

Quando a fragilidade global se fizer sentir na economia brasileira, serão acionados mecanismos de mobilização de recursos que vão para as mãos daqueles que mais necessitam, sem tirar o dinamismo de quem investe. A elevação da carga tributária não é suficiente para desanimar investidores porque, primeiro, ela não é tão grande; segundo, é compensatória, pelo avanço na tributação do imposto mínimo [tributação dos ricos].

Portanto, se melhora o ambiente com uma previsão de estabilidade fiscal, ou mesmo de transparência e clareza que o governo demonstra na redistribuição da carga tributária e na realocação de gastos, isso tende a ser bem recebido pelos investidores.

Governo não está promovendo expansão fiscal

A expansão fiscal implicaria não cumprir a meta. Eu estou acompanhando o debate no Brasil, e ele está sendo feito de maneira conceitualmente equivocada. Porque, se você vai cumprir a meta — e a meta é de ter um superávit próximo de zero e, no ano que vem, um superávit pequeno de 0,25% —, você não tem expansão fiscal. Ao contrário: você entra num espaço de leve contração fiscal.

A expansão fiscal, da maneira que estão colocando, é como se o governo estivesse mudando a meta fiscal. Esse é o meu ponto. Ainda que existam mecanismos para estimular gastos que não entrem na meta, o meu entendimento é que o governo não está fazendo isso. Ele está acomodando gastos que têm origem diferente, que não têm a ver com decisão própria — como os precatórios e outras medidas que vêm do passado —, e quer que o esforço fiscal seja medido dentro daquilo que controla.

[…] O que eu acho importante frisar, e aqui do ponto de vista do FMI, é que o que se espera dos países e das autoridades, principalmente num cenário conturbado, é manter o esforço. E eu acho que, nesse sentido, perseguir a meta fiscal, como o Ministério da Fazenda vem fazendo, e o Banco Central perseguindo a meta de inflação, sem descuidar da economia, do emprego e da atividade econômica, é muito importante.

O meu cenário — eu preciso seguir o que as autoridades estão apresentando — é a meta. É o que o ministro Fernando Haddad, desde 2023, vem dizendo: “Até o dia 31 de dezembro eu vou perseguir a meta”. E ele está tentando fazer isso.

Juro alto no Brasil e perspectivas de queda

Definitivamente, a taxa de juros brasileira é muito elevada. Quando se olha outros países, vê-se que o nosso juro real é muito elevado; o nosso juro neutro é muito elevado. […] O Banco Central está fazendo, dentro do arranjo da autonomia e dos instrumentos que tem à disposição, o que é importante para cumprir seu mandato principal: controlar a inflação. Mas faz isso sem desconhecer os efeitos sobre a atividade econômica. Por quê? Porque o Banco Central está trabalhando muito numa agenda de inclusão financeira, de redesenho da atividade bancária e de fortalecimento de regulações que protegem a economia.

Ainda que eu reconheça, como o ministro Fernando Haddad, que a taxa de juros está muito elevada — e de fato está —, a grande preocupação é qual é o espaço que temos, dentro da meta de 3% e do cenário internacional, para reduzi-la.

Acho que o ano que vem trará um cenário global mais receptivo a uma queda dos juros, pela despressurização do câmbio.

O Banco Central, dentro dos dados de que dispõe, vai entender qual é o momento de deixar todo mundo insatisfeito — porque esse é o papel dele. O papel do BC é fazer o trabalho difícil de controlar a inflação e, principalmente, as expectativas, de modo a conduzir a economia, num cenário de desaceleração global, a uma atividade estável, que respeite a criação de empregos e o dinamismo econômico.

Queda global dos mercados na semana passada

Dada a postura da gestão Trump, de muitas vezes fazer anúncios bombásticos e depois, silenciosa ou ruidosamente, recuar, o caminho é focar na tendência, e não nos episódios que vão ocorrer dentro do jogo geopolítico. […] É um cenário de fragmentação econômica, de fragmentação do comércio e de potencial fragmentação financeira. E, nesse cenário, eu repito o que o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, colocou, talvez nos primeiros momentos de sua presidência: a gente tem que evitar ficar comovido por eventos que aparecem no dia a dia. É preciso manter o objetivo claro no longo prazo, de estabilizar a economia sem descuidar da atividade econômica, do emprego e da redução das desigualdades.

Visão do mercado financeiro

O que acontece, muitas vezes, no debate brasileiro — e eu entendo, porque existe um domínio muito grande de visões mais financistas —, é que o governo está tentando escapar por onde? A questão é que o que estão chamando de expansão fiscal, na verdade, pode ser uma expansão de gasto financiado. É o que o ministro Fernando Haddad sempre disse: se eu vou aumentar o gasto, preciso encontrar as receitas para financiá-lo. Ou seja, a expansão fiscal, por assim dizer, deveria refletir-se numa meta menor ou num descompromisso do governo com aquela meta. Isso não está nas cartas, não está acontecendo. As autoridades estão comprometidas com a meta fiscal, mas com mobilização de receitas e realocação de recursos — mobilizando-os para atingir maior eficiência.

Eu falo isso sem crítica, porque a visão financista é muito focada no indicador de curto prazo, que muitas vezes não considera a agenda do governo. Observam-se os indicadores, mas nem sempre se entende o que o governo busca e a compatibilidade entre seus objetivos e suas ações.

Impactos reforma tributária

Se olharmos o que esse governo vem fazendo, a reforma tributária histórica, de que o país necessita há décadas, foi concluída, e só isso já vai dar um impulso de produtividade e eficiência, principalmente para as exportações, porque vamos parar de tributar na origem. […] A reprogramação econômica que isso já está promovendo no redesenho das cadeias logísticas é investimento. Quando a reforma for aplicada, toda a dinâmica logística do país vai se alterar, porque antes o tributo incidia na origem, e agora será no destino.

Nesse encalço da reforma tributária do consumo, vem a reforma da renda, onde se garante dinamismo econômico sem pressionar a inflação nem as finanças públicas. […] Haverá mais consumo exatamente nos setores em que o Brasil está construindo capacidade de produção de alimentos — e todo esse efeito nas cadeias logísticas aumentará a produtividade do campo, dos serviços e melhorará toda a engrenagem da economia. Haverá menos perdas e ganhos de eficiência.

É óbvio que a temporalidade das coisas é importante. Então, a gente sempre precisa de um pouco de sorte para que esse movimento ajude. O que ajuda nesse cenário que estou desenhando? A depreciação do dólar no mundo afora é uma excelente notícia para os países em desenvolvimento, em particular o Brasil, porque a desaceleração do dólar afeta positivamente o nosso câmbio — e o câmbio afeta a inflação. Assim, com a valorização do real, o Banco Central ganha espaço em sua agenda para programar uma queda dos juros, conforme as condições permitam, sem pressa, sem afobação, com transparência e excelente comunicação.

Brasil em perspectiva internacional Quando você está aqui, vê o mundo inteiro, e quando coloca o Brasil num panorama internacional, percebe que estamos muito bem posicionados. Temos instituições fortes, e a postura brasileira diante dos ataques da administração Trump ressoou com mais confiança por causa da solidez institucional demonstrada ao lidar com situações delicadas. A prova veio com o recuo da administração Trump ao reconhecer o que o Brasil colocava e se sentar à mesa para dialogar. E só foi possível porque temos poderes independentes, articulados e respeitosos entre si, o que fortalece nossa democracia e, ao mesmo tempo, permite ao governo mobilizar recursos para atender à agenda eleita pelas urnas.


Fonte: JOTA

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