CPF dos imóveis mira sonegação fiscal, mas setor teme aumento de imposto
São Paulo
A promessa de o CIB (Cadastro Imobiliário Brasileiro) simplificar a posse de imóveis e dar segurança jurídica aos proprietários, compradores e vendedores está sendo ofuscada por uma preocupação no setor imobiliário de que ele abra caminho para um aumento generalizado de impostos.
Apelidado de CPF dos imóveis, o CIB vai cruzar dados de administrações tributárias, num mapeamento inédito no país. O objetivo é criar um valor de referência para os imóveis e, com isso, reduzir brechas para a sonegação fiscal. O sistema integra a reforma tributária e será usado para dar suporte ao novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), imposto que substituirá tributos atuais como ICMS, ISS, PIS e Cofins a partir de 2027.
A crítica de especialistas do mercado imobiliário é que a criação de um valor de referência pode pressionar estados e municípios a atualizar os valores venais dos imóveis e acabar por mexer no bolso do contribuinte. O valor venal é a base de cálculo usada na cobrança de impostos como os municipais IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis) e o ITCMD (imposto estadual sobre heranças e doações).
O governo federal nega qualquer intenção de elevar o IPTU ou o imposto de heranças. Segundo a Receita Federal, o CIB é um inventário dos imóveis e não acarreta em criação ou aumento de impostos.
O CIB nada mais faz do que consolidar os milhares de cadastros imobiliários fiscais existentes em cada município brasileiro e cartórios de imóveis, em uma única base de dados, permitido a implementação da redução das alíquotas e o cashback para pessoas de baixa renda. Ou seja, ele foi criado para facilitar a vida das pessoas e permitir vantagens para o setor e para a população de baixa renda”, afirma a Receita, em nota.
Para o advogado especialista em direito imobiliário Marcelo Tapai, o efeito prático poderá ser sentido em médio prazo. “Embora o CIB não aumente diretamente nenhum imposto, ele cria condições para que os entes locais façam reavaliações que, inevitavelmente, pesam no bolso do contribuinte. Uma hora a conta vai chegar.”, diz Tapai.
O QUE É O CIB, O CPF DOS IMÓVEIS
O CIB foi criado para centralizar em uma única base de dados as informações sobre imóveis no país. Hoje, cada município possui seu próprio cadastro fiscal, e os cartórios também mantêm registros separados. O novo sistema pretende consolidar essas informações dispersas em um mapeamento nacional.
O sistema será alimentado por dados fornecidos pelos municípios, cartórios de notas e de registro. Tanto imóveis urbanos quanto rurais deverão ser incluídos no CIB.
“Na prática, isso significa que cruzamentos que hoje não são possíveis passarão a ser automáticos. Por exemplo, se o imóvel está registrado em nome da pessoa A, mas a conta de energia está em nome da pessoa B, o sistema poderá apontar a possível existência de um aluguel não declarado. Nesse caso, o contribuinte terá o direito de apresentar defesa e comprovar a realidade, caso seja diferente da presumida pelo Fisco”, afirma Amadeu Mendonça, advogado especializado em negócios imobiliários e planejamento patrimonial.
POR QUE O CIB FOI CRIADO?
O governo federal afirma que a principal finalidade do CIB é gerar segurança jurídica para proprietários, compradores e vendedores. O sistema será peça-chave para viabilizar transações imobiliárias no novo IVA dual, que substituirá tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins a partir de 2027.
Segundo Mendonça, o efeito para proprietários e para quem compra e vende imóveis será um ambiente de maior fiscalização, com redução de espaço para inconsistências ou omissões.
“O ponto de atenção é que o valor de referência não pode ser confundido com um ‘preço tabelado’. O mercado imobiliário é dinâmico e sofre influência de diversos fatores: localização, liquidez, padrão construtivo e até aspectos subjetivos. Por isso, é fundamental que compradores e vendedores entendam essas nuances e não tratem o valor indicado pelo CIB como algo absoluto, mas apenas como um parâmetro de referência dentro de um contexto mais amplo de avaliação”, diz o também sócio do Tizei Mendonça Advogados Associados.
Embora não tenha como finalidade principal resolver disputas de propriedade, o CIB poderá contribuir como elemento de prova em casos de discussão de propriedade, como acontece no usucapião. Segundo os advogados, as informações cruzadas pelo sistema podem facilitar a comprovação do tempo e da forma de ocupação.
“Por outro lado, é importante lembrar que o CIB não substitui a matrícula nem o registro de imóveis, que continuam sendo os instrumentos centrais de definição da propriedade, mas funciona como um reforço”, diz Mendonça.
Segundo a Receita, a base de dados permitirá, por exemplo, implementar políticas como alíquotas reduzidas e cashback de tributos para famílias de baixa renda.
Para a advogada tributarista Isabella Panisson, do Lavez Coutinho, o CIB será essencial para que, no futuro, o contribuinte consiga pagar menos tributos em determinadas operações de alienação imobiliária.
HAVERÁ AUMENTO DE IMPOSTOS?
Enquanto governo e Receita Federal negam qualquer intenção de elevar tributos, especialistas tributários apontam riscos de impacto indireto no bolso dos contribuintes.
O órgão afirma que a reforma tributária também não institui novos tributos específicos para o setor imobiliário, mas substitui impostos já existentes (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por um sistema unificado, o IVA dual.
A centralização de informações preocupa o mercado, pois tende a dar ao Fisco maior capacidade de estabelecer valores de referência para imóveis, o que pode estimular estados e municípios a atualizar os valores venais —que são a base de cálculo de impostos como IPTU, ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e ITCMD .
Hoje, de acordo com o setor, muitos imóveis estão registrados com valores defasados.
DE QUANTO SERÁ E QUANDO COMEÇA?
Não há previsão de aumento fixo ou geral de impostos associado ao CIB. O que pode ocorrer é a atualização do valor venal, que serve de base para tributos municipais e estaduais.
Em relação ao IVA dual, a proposta de regulamentação da reforma prevê uma alíquota média estimada em 26,5% (soma de CBS e IBS). Para o setor imobiliário, as incorporadoras terão desconto de 20%, o que reduz a alíquota a 21,2% sobre a venda de imóveis novos.
Já pessoas físicas não terão impacto direto: a venda eventual ou o aluguel de até três imóveis, desde que o valor anual não ultrapasse R$ 240 mil, estará isenta de tributação pelo IVA dual. O sistema do CIB será testado em 2026. A incidência do IVA dual sobre operações imobiliárias começará em 2027, de forma gradual, acompanhando o calendário de implementação da reforma tributária, que terá fase de transição até 2032.
Fonte: Folha de São Paulo