Demissões públicas do Itaú são escolha calculada, dizem especialistas

Júlia Moura Daniele Madureira

São Paulo

A demissão de cerca de mil funcionários pelo Itaú Unibanco esta semana, sob o argumento de baixa produtividade durante o trabalho remoto, chamou a atenção mais uma vez para o estilo de gestão do grupo financeiro, já que esta não é a primeira demissão pública recente sob a liderança do CEO Milton Maluhy, que comanda desde fevereiro de 2021o maior banco privado da América Latina.

Em dezembro, o banco comunicou o desligamento do seu então chefe de marketing, Eduardo Tracanella, pelo uso indevido do cartão corporativo, após 27 anos de casa. Procurado, o executivo não comenta o caso.

No mesmo mês, o Itaú afirmou, em ata de assembleia geral, que seu ex-diretor financeiro Alexsandro Broedel teria violado políticas internas e a legislação ao agir em “grave conflito de interesses e em benefício próprio” no relacionamento com um fornecedor de pareceres.

O ex-executivo nega a acusação e diz que o banco teria como objetivo impedi-lo de assumir como CFO do Santander na Espanha —o que ocorreu em junho deste ano. A disputa entre Broedel e Itaú segue na Justiça.

Em 2023, o banco também foi destaque por ser uma das empresas a promover cortes extensos por fraudes no uso de plano de saúde. Foram 80 os demitidos no Itaú. De acordo com a instituição, houve má conduta dos trabalhadores no pedido de reembolso de consultas e procedimentos, como massagens e procedimentos estéticos.

Outro desligamento notório foi o de 50 funcionários que estavam recebendo auxílio emergencial indevidamente durante a pandemia.

Segundo especialistas, a comunicação desses casos ao público geral é calculada e visa fortalecer a cultura da empresa.

Para Luciana Lima, professora do Insper e especialista em gestão de pessoas e liderança, a mensagem por trás das dispensas é clara. Além de consolidar os pilares da companhia, o objetivo também é atender os interesses dos stakeholders (acionistas, clientes e funcionários). “[O risco de repercussão negativa] é calculado, muito bem pensado”, diz a docente.

“Não podemos esquecer que, nos últimos tempos, uma das pautas mais comentadas, discutidas e reconhecidas é o poder da vulnerabilidade. O que gera mais credibilidade no público, você afirmar que é incapaz de errar ou você assumir as suas vulnerabilidades e corrigi-las publicamente?”, questiona Luciana.

A maioria das empresas não fornece justificativas públicas ao demitir funcionários, o que torna o caso do Itaú um diferencial, aponta Maria José Tonelli, professora de Administração e Recursos Humanos na FGV-EAESP.

“Publicizar é importante, pois é melhor justificar uma decisão do que escondê-la, e uma comunicação em meio a uma demissão atrai a atenção de todos”, diz Maria José.

Na segunda (8), ao demitir quem estaria ocioso no home office, o banco enviou um comunicado a todos os colaboradores reforçando seus pilares, entre eles “confiar e saber trabalhar com autonomia” e “ética é inegociável”.

“Atitudes como essas prejudicam a todos, pois desgastam relações de trabalho, comprometem o ambiente de colaboração e minam a liberdade que conquistamos nos modelos mais flexíveis, como o modelo híbrido”, diz o email assinado pelo Comitê Executivo.

Os recados que eles deram foram para organizar e moralizar o trabalho. As diretrizes ficam muito mais claras para quem trabalha lá”, diz Claudia Abdul Ahad Securato,advogada e professora da Saint Paul.

Para Roberta Basílio, professora do curso de administração e gestão de pessoas da ESPM, o recado ficou claro para quem ficou no banco e para quem visa trabalhar na instituição. “Isso ajuda a atrair pessoas que tenham a adequação cultural necessária.”

Já na opinião de Alexandre Di Miceli da Silveira, doutor e mestre em administração de empresas e finanças, sócio da consultoria em alta gestão Virtuous, a demissão desta semana dissemina a “cultura do medo”.

“Vigiar todo o tempo e punir até mesmo quem entregou resultados é um estilo que prega o medo, a ideia de que ‘você pode ser o próximo'”, diz Silveira.

Em 2022, o banco reformulou seus pilares de cultura organizacional, criando a “Cultura Itubers”, com o objetivo de “despertar um sentimento de dono/pertencimento” nos funcionários, agora chamados de itubers.

Além da ética e da autonomia citadas no email, estão entre os pilares do banco o cliente como foco, o resultado como combustível, o aprendizado e a diversidade e inclusão.

No mais recente desligamento, o banco deixou claro que os resultados, por si só, não importam. É esperado que os itubers estejam alinhados aos valores do Itaú. Muitos dos dispensados, inclusive, haviam batido metas e recebido promoções.

“Para o Itaú, essa decisão faz parte de um processo de gestão responsável e tem como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança construída com clientes, colaboradores e a sociedade”, diz o banco em comunicado à imprensa.

Além de Maluhy, lideram a transformação cultural do banco os co-presidentes do conselho de administração, Pedro Moreira Salles e Roberto Egydio Setuba, que são herdeiros dos fundadores e um dos maiores acionistas da instituição.

Segundo analistas, a participação das famílias fundadoras na administração é notável na condução do negócio e contribui para o “sentimento de dono”. Os altos executivos também são sócios do Itaú e tem boa parte de sua remuneração variável.

Já Maluhy está no banco há 23 anos –o Itaú foi o seu primeiro emprego, assim que saiu da faculdade de administração, em 1995, mas depois passou por bancos de investimentos como J.P. Morgan, CCF e Lloyds Bank. Foi presidente da Rede, empresa de meios de pagamento do banco, e do Itaú Chile.

Antes de assumir o atual cargo de CEO, o executivo foi vice-presidente da área de finanças e riscos do banco, quando passou a integrar o comitê executivo. Segundo analistas, sua busca por análise e controle de despesas viria dessa experiência em especial.

Ainda de acordo com especialistas, o sucesso da estratégia do banco se prova nos lucros crescentes do banco.

Em 2024, o banco teve um lucro líquido recorrente gerencial de R$ 41,4 bilhões. Segundo levantamento da Elos Ayta, este é o maior resultado de um banco brasileiro da história, em termos corrigidos pela inflação. O recorde anterior também era do Itaú, de 2015, de R$ 36,9 bilhões em valores atualizados. Outro ponto positivo destacado por especialistas seria a alta busca pelas vagas da instituição. O programa de trainee do banco é um dos mais concorridos, com 105 mil inscritos para 30 vagas.


Fonte: Folha de São Paulo

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