Simplificação do licenciamento ambiental é necessária, mas PL traz riscos, diz setor privado
Uma simplificação do processo de licenciamento ambiental é necessária. Mas, da forma como o PL 2.159/21 − que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental − vem tramitando, há riscos de aumento de judicialização, perda de investimentos e consequências ambientais e sociais negativas.
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Essa é a visão de grande parte do empresariado brasileiro. “No setor privado, o projeto tem um apoio grande. A visão é de que é preciso dar celeridade e desburocratizar. Agora, tem pontos que precisam de maior debate com a sociedade”, diz Fernando Sampaio, cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor de sustentabilidade da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes).
“Uma das críticas principais que fazemos é em relação ao processo de tramitação. O projeto existe há anos, mas, em poucos dias, foram feitas alterações no texto sem a gente nem saber do que as emendas tratam”, acrescenta Sampaio. A Coalizão Brasil reúne 482 representantes dos setores privado e financeiro, da academia e da sociedade civil. Entre esses representantes estão companhias como Bayer, JBS, BASF, Unilever, Suzano, Bradesco, Itaú e Marfrig, entre outras, além de associações empresariais e ONGs.
Ex-presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher − que tem se aprofundado nas discussões sobre meio ambiente desde que deixou o comando da instituição financeira, em 2021 − vai na mesma linha da Coalizão. “É inegável que necessitamos de uma lei para modernizar e tornar eficiente esse processo (de licenciamento). Mas está claro que houve exagero de flexibilização, o que coloca em risco nosso meio ambiente e pode comprometer nossas perspectivas no ciclo econômico de baixo carbono”, disse ao Estadão.
A principal crítica do setor privado é a mesma dos ambientalistas: o fato de o PL não definir objetivamente os critérios de quem terá direito ao autolicenciamento (chamado de Licença por Adesão e Compromisso, ou LAC) nem como esse processo será controlado. O texto, que voltou para a Câmara dos Deputados na semana passada, autoriza o autolicenciamento para projetos de médio porte. Nesses casos, os empreendedores fornecerão informações sobre seus projetos por meio de um relatório e receberão a licença automaticamente, sem que haja estudo de impacto ou análise de órgãos ambientais. Hoje, esse tipo de licença só é permitido a empreendimentos de baixo risco e pequeno potencial poluidor.
O problema é que, como está o PL, não fica claro o que seriam projetos de médio porte. A pavimentação de uma estrada, por exemplo, pode ser considerada o aumento de capacidade de uma rodovia já existente. Nesse caso, seria autolicenciada. Uma obra em uma via como a BR-319 − que liga os Estados de Rondônia e Amazonas e é de terra − seria, assim, facilmente liberada mesmo que essa pavimentação resulte em maior desmatamento na região.
Em nota publicada neste mês, a Coalizão Brasil reconheceu que a LAC pode ser um instrumento eficaz para simplificar o licenciamento de baixo impacto, principalmente na agropecuária. Mas destacou que, conforme o proposto pelo PL, a falta de análise prévia dos empreendimentos de médio impacto compromete a segurança jurídica, dado que diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema são contrariados.
Outra preocupação é a ausência de critérios técnicos nacionais mínimos para o licenciamento ambiental. Como está, o texto do PL permite que cada Estado defina quais atividades precisam ser licenciadas e como esse processo se dará. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou, na semana passada, queisso pode gerar uma espécie de nova guerra fiscal entre os Estados, com eles tornando suas regras ambientais mais flexíveis para atrair investimentos.
Em relação a esse tema, a Coalizão Brasil aponta que o PL “amplia assimetrias, compromete a segurança jurídica e pode gerar uma fragmentação regulatória que pune tanto o meio ambiente quanto empreendedores que atuam em conformidade”. “A definição de diretrizes nacionais claras, com base técnica e controle social, é fundamental para garantir isonomia, previsibilidade e coerência entre os diferentes Estados − reduzindo disputas, sobreposições e ineficiências”, diz o documento da Coalizão.
Outro ponto destacado pela Coalizão Brasil é a restrição de responsabilização do empreendedor à área direta de influência de seus projetos, apesar de ser de conhecimento público que grandes obras acabam induzindo o desmatamento em seus entornos. “A exclusão de medidas preventivas e compensatórias em tais contextos enfraquece a credibilidade do licenciamento e pode comprometer metas como a NDC (plano de ação climática que o Brasil submeteu ao aderir ao Acordo de Paris)”. A Coalizão sugere que essa proposta do PL seja substituída por uma abordagem proporcional à dimensão da obra em questão. Como sofreu modificações no Senado na semana passada, o PL voltou à Câmara. Ele também ainda precisa ser sancionado pelo presidente Lula.
Fonte: Estadão