Agências reguladoras precisam se desvincular de pressões externas
Em debate na Casa JOTA, especialistas ainda enfatizam a necessidade de respaldo científico na tomada de decisões
A regulação no Brasil enfrenta um paradoxo no qual as agências convivem com o dilema entre autonomia e controle. A conclusão partiu do debate com especialistas sobre o papel dessas agências na Casa JOTA, no dia 8 de maio, em Brasília.
No evento feito em parceria com a Philip Morris Brasil, Dirceu Barbano, ex-diretor da Anvisa, defendeu a autonomia das agências reguladoras. Esse caminho, afirma ele, será possível apenas quando as agências conseguirem se desvincular de pressões externas, como os interesses econômicos e políticos, que podem desvirtuar o objetivo dessas instituições – de proteger a saúde pública e garantir o bem-estar da população.
“A regulação será bem-sucedida se for baseada na ciência, em dados técnicos, e se as agências reguladoras forem capazes de tomar as decisões sem a interferência de interesses que não estão relacionados ao bem-estar da sociedade”, explica.
Caso contrário, aponta Barbano, “a regulação nunca será eficiente porque sempre haverá uma distorção nos objetivos, e o que era para ser feito de forma técnica se tornará uma decisão orientada por interesses políticos ou comerciais.”
Vera Monteiro, Roberto Maltick, Dirceu Barbano (no telão) e Natasha Salinas
Vera Monteiro, professora da FGV Direito SP, a tensão está nos temas tratados pelas agências reguladoras em desalinho com o governo, que não gosta de ser contrariado. “Quando uma agência decide algo diferente do esperado pelo Poder Executivo, é comum tentar enfraquecer ou mudar a direção daquela agência. Percebo que, muitas vezes, o poder executivo quer resolver o problema à própria maneira e a agência acaba sendo um obstáculo a isso”, diz.
Entre os temas polêmicos do momento, Vera Monteiro comenta sobre dois da Anvisa em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF): da publicidade de alimentos ultraprocessados e dos aditivos de aroma nos cigarros. “A resposta talvez seja diferente nesses casos porque a legislação trata de maneira diferente os assuntos. O desafio é do Congresso Nacional, de como cada setor é desenhado mesmo dentro de uma área específica como é o caso da Anvisa. Não é claro no Brasil, hoje, qual a intensidade do controle do poder normativo”, diz.
Modelo colaborativo
Para Vera Monteiro, a saída é o trabalho conjunto entre as agências e diferentes setores da sociedade, pois o modelo colaborativo diminui a influência de grupos de interesse específicos e garante que as políticas públicas atendam a uma variedade de necessidades. “As instituições são falíveis, mas é importante que o Brasil amadureça no processo de construção das políticas regulatórias, e todos devem colaborar de alguma forma”, comenta.
Ela fala ainda que o governo federal tem um papel fundamental em promover boas práticas regulatórias, não apenas em nível federal, mas também para agências estaduais e municipais. Para isso, a professora sugere a criação de um órgão permanente e eficiente para coordenar as boas práticas regulatórias.
Natasha Salinas, professora da FGV Direito Rio, ainda sublinha que a regulação não deve ser uma tarefa isolada das agências, mas deve ser parte de um esforço conjunto entre as diferentes instituições do governo. “É fundamental que o Executivo e o Legislativo se envolvam ativamente no processo regulatório, estabelecendo marcos legais que garantam a autonomia das agências e permitam que elas operem com a independência necessária”, afirma.
A docente ressalta que o papel fundamental das diferentes esferas do sistema político ao garantir que as agências possuam os recursos e o suporte adequados para atuar com eficácia, e em conformidade com as necessidades da sociedade.
Jorge Costa e Silva, psiquiatra e ex-diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), trouxe uma crítica contundente sobre como a ciência e a saúde pública são abordadas no debate sobre regulação no Brasil. De acordo com ele, a regulação tem falhado ao não integrar o conhecimento científico em suas decisões, algo que é essencial quando se fala de saúde pública. A ausência de um debate técnico profundo sobre vários temas regulatórios e a tendência de se tomar decisões sem consultar os profissionais de saúde pública apropriados afastam as agências regulatórias como a Anvisa da população. “A agência foi feita para ser independente. Ser independente não é fazer o que ela quer, é trabalhar dentro do sistema democrático trabalhado, interagindo com o Judiciário, o Científico, o Legislativo, o Executivo”.
Fonte: JOTA