Trump deixa mercado financeiro sem direção e em instabilidade

O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levou o mercado financeiro a transitar em terra nunca antes habitada e tem colocado executivos e banqueiros em um ambiente sem direção e de instabilidade absoluta, segundo executivos do Santander Brasil que assessoram empresas em captações de recursos nos mercados de dívida externo e local. Para eles, mesmo tendo atravessado muitas crises anteriormente, esta parece ser única, fazendo com que transações de mercado que antes eram programadas e executadas com antecedência sejam decididas a cada dia. “Ao contrário de 2020, durante a crise do Covid e outras crises, havia uma volatilidade criada a partir de fatores exógenos e diante das quais os governos, coordenadamente, atuaram para contê-las.

Agora o ambiente de instabilidade é provocado por políticas governamentais e que podem trazer cenários distintos para indústrias distintas”, diz o responsável pela área de Global Debt Finance do Santander Brasil, Sandro Marcondes. Mesmo assim, o mercado não parou. Investidores e empresas continuam olhando as condições para captações nos mercados externo e local, que está sofrendo menos. “Não temos visto um movimento expressivo de venda de carteiras no exterior. Estamos muito próximos dos investidores e o que dizem é que estão aguardando para ver o que vai acontecer”, afirma o responsável pelas emissões externas do Santander Brasil, Miguel Diaz.

O que mudou é que “não há um pipeline (fila de emissões) que se constrói e executa. Agora, recebemos a ligação da empresa, temos duas semanas para elaborar a oferta e ela sai de acordo com uma breve janela”, acrescenta Diaz.

Na prática, isso tem o significado de viver um dia de cada vez no mundo do crédito privado. O que impressiona, por outro lado, é que os indicadores de risco e os prêmios que os investidores exigem lá fora para entrar em novas operações de crédito privado também estão em terrenos não vistos.

O Vix, também conhecido como “Índice do Medo”, chegou a bater em 50 pontos-base, bem acima do patamar de 12 a 13 pontos-base que circulou no ano passado.“Temos uma regra de bolso aqui, em que entre 15 a 20 pontos-base, há um pouco de volatilidade, mas você entende o que está acontecendo. Quando fica na casa dos 15 pontos-base começa a sair um monte de emissão. Mas 50 pontos-base é muito fora”, diz Marcondes.

Essa ausência de direção para o cenário tem feito com que os preços dos papéis de dívida (bonds) negociados no mercado secundário no exterior tenham pouco significado, já que os investidores não estão colocando seus recursos para trabalhar. Como consequência, a preferência dos investidores nas novas emissões de títulos está sendo por aqueles de maior liquidez e menor risco, ou seja, os soberanos, afirma Diaz.

Há duas semanas, a Colômbia aproveitou uma das breves janelas e captou US$ 3,8 bilhões com grande demanda, de US$ 9,2 bilhões. Mas pagou um prêmio alto sobre o preço de seus papéis negociados no mercado secundário: seis vezes maior do que se o mercado estivesse em seu ritmo normal.Naquela mesma semana, os bancos norte-americanos JPMorgan, Morgan Stanley e NY Mellon saíram ao mercado, logo depois de divulgarem seus balanços, para levantar recursos e pagaram o dobro de prêmio sobre o preço negociado no secundário, afirma Diaz.

Que venha 2026

Do ponto de vista de emissores brasileiros que têm o mercado de dívida externo como opção para captação de recursos, os especialistas do Santander esperam é que o primeiro semestre funcione melhor para empresas que estão em setores defensivos. “Aquelas que têm uma tese não muito consolidada de crédito, talvez não encontrem a janela até junho para fazer uma transação”, diz Marcondes.

Mesmo assim, o Santander não alterou sua projeção para captações no mercado de dívida lá fora, acreditando em um volume de US$ 20 bilhões e US$ 25 bilhões de emissões de bonds pelo Brasil. “Até porque 2026 é um ano de eleição no Brasil”, pontua Marcondes. O mercado de dívida local, ao contrário, segue operando normalmente e pouco se ressentindo da política externa. Para Matheus Licarião, responsável pelas emissões Brasil no Santander, a maior volatilidade, porém, pode significar que as empresas irão mais vezes ao mercado, como forma de reduzir o risco. “Em vez de fazer emissões maiores, já há empresas procurando fazer menores para aproveitar a janela estreita de oportunidade”, afirma. “Ser mais rápido na execução das transações é outra forma de você eliminar o risco. Então, no final das contas, a empresa acaba captando o volume que ela tem necessidade, mas em vez de fazer uma única transação, acessa o mercado duas, três vezes.”


Fonte: Estadão

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