Empresas pagam menos IR e fazem dividendos de sócios entrarem na mira de nova tributação da renda

BRASÍLIA – As empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores pagam menos impostos do que o esperado no País. Segundo estudo liderado pelo especialista em contas públicas Manoel Pires, as companhias de capital aberto pagam de Imposto de Renda,em média, bem abaixo de 34% – a alíquota de referência na tributação dos lucros. A consequência é que, com a proposta de reforma da renda apresentada pelo governo Lula, os sócios e investidores dessas empresas, caso enquadrados na categoria de alta renda, vão pagar mais imposto.

O estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) é assinado por Pires, Pedro Romero Marques e José Bergamin e teve como base a tributação efetiva média de 338 empresas de nove diferentes setores econômicos entre 2012 e 2022: bens industriais, comunicações, consumo cíclico, consumo não cíclico, materiais básicos, petróleo, gás e combustíveis, saúde, tecnologia da informação, utilidade pública e outros.

A média, levando em consideração diferentes critérios para medir a tributação, foi de 18,08%. A maior alíquota recai sobre as empresas do setor de bens industriais (21,60%) e a menor, sobre outros e consumo cíclico (14,42%).

Nenhum dos segmentos, portanto, chegou perto de 34% – a chamada alíquota nominal sobre o lucro das companhias no Brasil, sendo o valor máximo de 25% referentes ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já no caso das empresas financeiras, a alíquota máxima pode chegar a 45%.

Quem está na mira da nova tributação?

A proposta do governo é quepessoas de rendimento mais alto– a partir de R$ 50 mil mensais – devem recolher umImposto de Renda mínimo, que é crescente até chegar a 10% no caso de quem ganha R$ 100 mil ou mais por mês.

A tributação adicional ocorrerá sobre os ganhos obtidos por meio de dividendos recebidos de empresas das quais os contribuintes podem ser sócios, acionistas ou investidores. Pagamentos mensais de dividendos superiores a R$ 50 mil por empresa serão tributados na fonte em 10%.

Se a pessoa física que receber esses recursos não for enquadrada na categoria de mais rico, receberá os valores de volta na restituição do IR no ano seguinte. Já quem for enquadrado, será tributado.

O enquadramento da pessoa física leva em consideração o que ela paga efetivamente em IR e também o quanto a empresa pagou antes de distribuir lucros e dividendos. Se a tributação foi igual ou superior a 34%, ela foge da tributação. Mas se for menor, o sócio, acionista ou investidor verá seus dividendos serem tributados para compor o Imposto de Renda mínimo da alta renda.

Alíquota nominal x efetiva das empresas

Esta é uma novidade trazida na proposta da equipe econômica: levar em consideração a tributação efetiva das empresas, e não a que está no papel.

Segundo o governo, a tributação das companhias entrou na reforma da renda como forma de contabilizar o que o sócio já pagou na pessoa jurídica, evitando a bitributação do dividendo. Mas a alíquota a ser considerada será a efetiva, ou seja, a que a empresa realmente recolheu em IRRJ e CSLL somados.

“O governo entende que a discussão não pode se dar sobre alíquotas nominais, que não têm correlação com a realidade, e sim sobre alíquotas efetivas, que são substancialmente menores”, informou a equipe econômica.

Por isso, especialistas já começaram a discutir qual é a tributação efetiva que incide sobre as empresas, para saber se os seus dividendos podem ser alvo da nova tributação.

O estudo liderado por Manoel Pires, que é coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento do FGV/Ibre e professor da UnB, indica que investidores enquadrados como de alta renda que recebem dividendos de empresas listadas na Bolsa muito provavelmente serão taxados.

“Vai ter efeito tributário, sim. Esse limite que foi colocado (de 34%) foi um limite para situações mais extremas, para evitar uma carga tributária excessiva sobre a empresa. Mas a maior parte das empresas não vai atingir esse limite; então vai ter um efeito tributário, sim (ou seja, o dividendo será tributado)”, disse Pires.

Redutores de tributação e dúvidas no cálculo da alíquota

O estudo dos economistas verificou a alíquota efetiva segundo quatro diferentes critérios. A diferença ocorre principalmente em razão de redutores, previstos em lei, da tributação das empresas. São desde benefícios tributários setoriais ou regionais até bônus contábeis que reduzem a base de cálculo sobre a qual incide a tributação.

Advogados tributaristas afirmam que o texto apresentado pela equipe econômica não esclarece como será calculada a alíquota efetiva das empresas para a nova tributação de IR sobre os mais ricos – ou seja, o que será levado em consideração para se chegar a esse resultado.

Em reunião na Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), na última terça-feira, 25, o tributarista Luiz Bichara observou que empresas que são beneficiadas por incentivos, como os oferecidos para que os se instalam nas Regiões Norte e Nordeste e também para aquelas que oferecem bolsas de estudos do Prouni, obtêm descontos que fazem baixar a alíquota de IR que pagam. Há ainda empresas que abatem do IR prejuízos tributários registrados no passado e outras que abatem gastos com investimentos, como a compra de máquinas e equipamentos.

Essas medidas são exemplos de redutores da alíquota efetiva autorizados em lei. Seus sócios poderão ser taxados sem considerar os redutores? Ou os redutores serão considerados na conta, inflando a alíquota efetiva?

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e o secretário especial de reformas econômicas, Marcos Pinto, não cravaram o entendimento. Barreirinhas prometeu que a Receita irá fornecer ao acionista ou investidor a alíquota efetiva da empresa originária do dividendo como informação automática na declaração pré-preenchida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Tributaristas seguem em dúvida.

Auxiliar de Lula que participou da elaboração da proposta afirmou à reportagem que o objetivo é tributar o sócio da empresa que pagou menos imposto, sem exceções. Ou seja, os benefícios não serão descontados.

Bichara apresentou ainda outro complicador: “Se (a pessoa física) tem ações de dez empresas na Bolsa, então, ele vai ter que descobrir qual é o lucro, o lucro líquido, o lucro contábil (métricas para se chegar à alíquota efetiva) de cada uma dessas empresas para calcular o seu tributo, sendo que há um descasamento temporal – porque ele tem que entregar a declaração de IR da pessoa física em meados de março. E essas empresas que são cotadas em Bolsa têm até abril para publicar informações financeiras”, afirmou.

Manoel Pires concorda que falta clareza na proposta do governo sobre o cálculo da alíquota efetiva. “Isso é uma coisa que na tramitação do Congresso, certamente, os parlamentares vão querer um pouco mais de transparência”, afirma. “Pode ser que eles queiram diferenciar o lucro (tributável das empresas) do Simples, do lucro presumido e do lucro real, porque as cargas efetivas são muito diferentes. Então, vai ter um longo debate aí para deixar isso mais claro”.

Pires diz que não há certo ou errado neste entendimento. “A legislação que foi encaminhada não trata disso, como se fosse uma coisa simples. Não é uma coisa simples. E é uma decisão que faz diferença, pode mudar a conta, se você (o contribuinte enquadrado como mais rico) vai pagar mais ou menos imposto”.

O economista diz não saber se poderia haver impacto negativo na arrecadação prevista pelo governo com as mudanças no IR da alta renda, estimada em R$ 25 bilhões no ano que vem. E acrescenta que o governo sinaliza que pode aprimorar o texto ao admitir que pretende limitar a tributação sobre as empresas, taxando só os dividendos das que não pagam no mínimo 34%.

O que o governo fez me parece um cuidado de quem tem boa fé, de passar a segurança de que a norma não vai gerar uma tributação excessiva. Senão, ele não teria feito esse limite, de que a carga efetiva não pode ultrapassar certo patamar. Então, a questão é como é que você ajusta e passa a clareza necessária do que está sendo feito”.

Na equipe econômica, a leitura é de que ajustes podem ser feitos para detalhar os conceitos de alíquota efetiva durante a tramitação no Congresso e em conversas com representantes do setor privado.

Empresas do Simples e do Lucro Presumido: dividendos não escapam da tributação

O advogado João Aldinucci, consultor da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), afirma que a proposta da Fazenda traz “consequências mais perversas” para empresas que fazem parte do regime de lucro presumido e do Simples.

Segundo o Ministério da Fazenda, as alíquotas efetivas médias nesses dois regimes são ainda menores: 11% e 6%, respectivamente, o que torna seus sócios ainda mais suscetíveis à tributação sobre o dividendo caso sejam de alta renda (acima de R$ 50 mil mensais).

A medida desvirtua o lucro presumido”, afirma Aldinucci. “Como o próprio nome diz, o lucro presumido faz uma presunção do lucro em cima da receita. Na prestação de serviços, o lucro presumido é de 32%. O desvirtuamento acontece porque, no cálculo da alíquota efetiva, não será considerado o lucro presumido, mas o lucro contábil.”

Uma das preocupações de tributaristas é que, numa tentativa de escapar da tributação, sócios passem a contabilizar despesas pessoais nas contas da empresa. Dessa forma, reduz-se o pagamento via dividendos, alvo das atenções do governo com a nova tributação do IR, e também a tributação da empresa.

Bichara afirma que a Receita Federal não tem braços para fazer a fiscalização desse tipo de prática, que era muito comum nos anos 1990, antes da isenção sobre os dividendos.

“Como é que vai ser se a gente vai fiscalizar a distribuição disfarçada de lucros? O profissional liberal que está no Simples, ele não vai mais para a Disney com a família, ele vai ter que ir a um congresso em Miami. Quem vai fiscalizar isso? Nos últimos anos, o que a gente viu foi um avanço brutal de tecnologia e de fiscalização nas empresas do lucro real, mas nas do presumido e do Simples, a fiscalização é muito baixa. Vamos deixar claro: nós vamos retomar uma discussão sepultada há 20 anos”, afirma.

Aldinucci observa que a última proposta de reforma do IR, apresentada no governo Jair Bolsonaro, listava as possibilidades de distribuição disfarçada de lucros. A proposta não avançou por resistência até da Receita Federal, que viu perda de arrecadação com o texto que começou a ser discutido no Congresso.

“Vai ter que voltar a ter discussão sobre isso, se não todas as despesas vão para o ‘cartão corporativo’. Isso não era problema até agora porque a distribuição do lucro era isenta, mas não vai ser mais isenta”, diz o advogado. Aldinucci foi conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e lembra que o tema provocou contencioso entre empresas e o Fisco, que discutiam item a item o que era de uso da empresa e o que era de uso do sócio – e prevê que isso deverá ser objeto de atenção neste momento.


Fonte: Estadão

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