Juiz pode exigir emenda da inicial ao identificar indícios de litigância predatória, diz STJ

Discussão do Tema 1198 buscava definir o poder geral de cautela dos juízes ao verificarem a ocorrência de litigância abusiva

Mirielle Carvalho

Por maioria de votos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou nesta quinta-feira (13/3) que, constatados indícios de litigância predatória, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.

A determinação foi dada no âmbito do julgamento do Tema 1198 dos recursos repetitivos, sob relatoria do ministro Moura Ribeiro, que buscava definir o poder geral de cautela dos magistrados quando vislumbrem a ocorrência de litigância predatória.

O REsp 2021665 tem origem no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) e discutia a “possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários”.

A sessão de julgamento do recurso foi retomada com o voto-vista do ministro Luís Felipe Salomão, que acompanhou a tese proposta pelo relator. Em seu voto, Salomão ressaltou a necessidade de a Corte fixar uma tese em torno da problemática e destacou, além disso, a importância de se adotar uma política judiciária que reprima a fraude e o abuso, mas não impeça o acesso à justiça.

“O acesso responsável e razoável deve ser a regra, sob pena de inviabilização do próprio sistema de justiça. O uso mal intencionado, mediante a criação de demandas fraudulentas, com o uso de artifícios, constitui abuso e, portanto, deve ser identificado e excluído”, pontuou Salomão.

Dessa forma, ponderou que a simples existência de demandas repetitivas ou em massa no Poder Judiciário não parecem ser suficientes por si só para classificar as demandas como de natureza abusiva ou predatória, e que a diferenciação entre os fenômenos é de suma importância. Assim, ilustrou que o juiz deve declinar as razões, caso a caso, pelas quais entende que há a possibilidade de configuração da prática de litigância abusiva no caso em concreto, indicando seus fundamentos.

“Ademais, na fase de cumprimento de sentença, quando já obtida a providência na ação de conhecimento e superada a estabilização da lide, parece também natural que as exigências de documentos devem ser minimizadas, de modo a permitir que o vencedor da lide possa implementar o seu efetivo cumprimento”, destacou Salomão. Leia a íntegra do voto do ministro.

Os ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Ricardo Villas Bôas Cueva ficaram vencidos quanto à retirada da expressão “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova” da tese apresentada pelo relator.

Recomendação do CNJ acerca do tema

Durante a discussão de elaboração da tese, os ministros ressaltaram que, além de estarem amparadas em dispositivos processuais e no poder geral de cautela, as exigências documentais feitas pelos magistrados estão em consonância com o que foi determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Recomendação 159/2024, que estabeleceu medidas para identificar, tratar e prevenir o fenômeno da litigância predatória no Poder Judiciário.

Para caracterização da litigância predatória, o ato normativo publicado em outubro de 2024 prevê que devem ser consideradas as condutas ou demandas sem lastro, procrastinatórias, demandas fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos.

Quando detectado um caso concreto de litigância predatória, a proposta recomenda que os magistrados e os tribunais adotem um protocolo de análise criteriosa das petições iniciais e mecanismos de triagem processual, que permitam a identificação de padrões de comportamento indicativos de litigância abusiva.

Também é recomendado o fomento ao uso de métodos consensuais de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, inclusive pré-processuais, com incentivo à presença concomitante dos procuradores e das partes nas audiências de conciliação. A proposta aconselha, ainda, que sejam adotadas medidas de gestão processual para evitar o fracionamento injustificado de demandas relativas às mesmas partes e relações jurídicas.

Aos tribunais em específico, o ato normativo sugere o desenvolvimento e implementação de sistemas de inteligência de dados para monitoramento contínuo da distribuição e da movimentação de ações judiciais, com capacidade de identificar padrões de conduta abusiva, enviando-se alertas aos magistrados. Outra recomendação é quanto a geração de relatórios periódicos para subsidiar o planejamento e as ações preventivas, de correção e avaliação das medidas adotadas no âmbito das unidades e tribunais.


Fonte: JOTA

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