Pacote que limita poder de ministros do STF avança na Câmara após ofensiva de bolsonaristas e centrão
Comissão aprova PEC que restringe decisões monocráticas e outra que permite ao Congresso derrubar determinações do Supremo; ministros criticam nos bastidores
Brasília
Em uma ofensiva liderada pelo PL de Jair Bolsonaro, mas que contou também com o apoio dos demais partidos de centro e de direta, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) dois projetos de lei e duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que limitam poderes dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
As propostas haviam sido enviadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à comissão numa resposta à decisão unânime do Supremo de suspender a execução das emendas parlamentares até a adoção de medidas mais transparentes.
O apoio da maioria dos partidos aos projetos foi lido por parlamentares como resultante da grande insatisfação do Congresso com o STF, o que ocorre não só em relação às emendas.
Cabe agora a Lira dar o próximo passo —no caso das PECs, instalar comissões especiais para discussão do tema, último capítulo antes da votação em plenário. No caso dos projetos de lei, pautá-los para votação no plenário.
A PEC 8/2021 foi aprovada por 39 votos a 18. Ela restringe o poder de os magistrados da corte derrubarem por decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso. O PT usou o recurso da obstrução para tentar evitar a apreciação do tema, mas a maioria optou por dar prosseguimento à votação.
Já a PEC 28/2024, aprovada com 38 a 8, permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso.
Em todas essas votações, só os partidos de esquerda se colocaram contra. O governo Lula (PT), de acordo com integrantes da CCJ, não se movimentou de forma robusta para impedir essas aprovações.
Um dos pontos do chamado pacote anti-STF já foi duramente criticado pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, ainda em agosto. “Me parece relativamente impensável um modelo democrático em que o Congresso possa suspender decisão do Supremo”, disse em entrevista à Folha.
Um dos projetos de lei do pacote classifica como crime de responsabilidade a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo por parte dos ministros do STF. Foi aprovado por 36 a 12.
O outro projeto aprovado estabelece novas condutas passíveis de impeachment para ministros do Supremo, como opinar sobre processos pendentes de julgamento. Outra das possibilidades é no caso de “usurpar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, as competências do Poder Legislativo, criando norma geral e abstrata de competência do Congresso Nacional“.
“Respeitamos e muito o Supremo Tribunal Federal. O Supremo é uma representação da Constituição da República, mas quem criou a Constituição foi o Parlamento brasileiro. Portanto, ninguém venha dizer que o Parlamento quer desmerecer o Supremo, nós queremos é fortalecer”, disse Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), relator de um dos projetos.
“Hoje um ministro pode dar uma [medida] cautelar sozinho e não tem referendo nenhum. Não é nada correto que não haja prazo [para análise] e que não haja pelo menos o referendo dos pares”, afirmou o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), relator da PEC 8. “Não cabe ao Supremo Tribunal Federal legislar ou inovar criando norma geral e abstrata.”
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) classificou o pacote como “dia da vingança”. Sobre a proposta que restringe as decisões monocráticas, a classificou como um despautério. “Claramente fere o princípio pétreo do equilíbrio entre os Poderes. Ela pretende criar um Legislativo hipertrofiado.”
Nos bastidores, ministros do STF criticaram a ação dos deputados. Alguns parlamentares discutem novamente apresentar um mandado de segurança no Supremo para barrar a tramitação dos projetos caso eles avancem ainda mais.
Ainda no ano passado, ministros do Supremo indicaram que consideravam a PEC inconstitucional e que, caso uma ação desse tipo chegasse à corte, poderia ser acatada.
A PEC das decisões monocráticas já havia sido aprovada em novembro de 2023 pelo Senado.
O texto exige decisões colegiadas para eventual suspensão da eficácia de uma lei ou norma de repercussão geral aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência. A única exceção é a possibilidade de o presidente do órgão decidir sozinho em período de recesso judiciário e sob necessidade de análise coletiva após o retorno das atividades.
Pelo rito de PECs no Congresso, caberá ao presidente da Casa designar uma comissão especial para tratar do mérito da proposta —há um prazo de 40 sessões para votar o texto, sendo que o período para emendas se esgota nas dez primeiras sessões.
Após passar pela comissão especial, a PEC precisa ser analisada no plenário da Câmara, e são necessários 308 votos (de 513) para a sua aprovação, em dois turnos de votação. Caso seja aprovado, o texto será promulgado pelo Congresso, uma vez que emendas constitucionais não precisam de sanção do presidente da República.
Três deputados que integram a CCJ e estão acompanhando as negociações desde o começo dizem que Lira não indicou como dará andamento às propostas. Eles afirmam que nos últimos dias o foco dos parlamentares foram as eleições municipais. Um líder de direita diz que o presidente da Câmara deverá seguir o rito normal das propostas, mas que avalia que isso só deverá ocorrer após o segundo turno, quando as atividades da Câmara serão reestabelecidas.
Fonte: Folha de São Paulo