Sergio Vale: Vamos precisar de uma mudança fiscal muito grande para alcançar o grau de investimento
Na leitura do economista-chefe da MB Associados, a decisão da Moody’s teve como base ‘uma visão bastante otimista do cenário econômico’ e uma mudança fiscal crível só deve ocorrer num próximo governo
O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, avalia que a economia brasileira precisará de uma mudança fiscal muito grande se quiser retomar o grau de investimento, perdido em 2015.
Nesta terça-feira, 1º, a agência de classificação de risco Moody’s melhorou a nota brasileira e deixou o País a um passo do chamado grau de investimento. “Vamos precisar ter uma mudança muito mais crível e forte na agenda fiscal para conseguir ter esse grau de investimento”, afirmou.
Na leitura de Vale, a decisão da Moody’s teve como base “uma visão bastante otimista do cenário econômico” e uma mudança fiscal crível só deve ocorrer num próximo governo, em 2027.
“Vamos precisar esperar um novo governo em 2027 para, se tiver um ajuste fiscal mais crível e dependendo da solidez desse eventual ajuste, a gente poder pensar em voltar a virar grau de investimento”, diz.
Como o sr. avalia a decisão da Moody’s?
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Aumento de nota é sempre positivo no sentido de melhora da percepção de crédito para as empresas e da percepção geral da economia, mas, de qualquer maneira, coloca um pouco de dúvida pelo momento fiscal ainda muito desafiador que o País vive. A Moody’s fez essa decisão olhando muito o cenário de crescimento, estamos com uma inflação baixa. São condições econômicas favoráveis. Mas o grande ponto central, que era também o grande elemento que ajudou o País a virar grau de investimento em 2008 e falta muito hoje, é um equilíbrio fiscal mais consistente. Não temos isso. Olhando para frente, fica a dificuldade de a Moody’s poder justificar subir a nota e virar grau de investimento em algum momento. Vamos precisar de uma mudança fiscal muito significativa para isso acontecer.
Na avaliação do sr., ela deu o peso correto para questão fiscal no comunicado?
Ela fala do arcabouço, fala do cenário fiscal que a gente tem melhorado, mas o foco, de fato, é nesse cenário econômico relacionado a crescimento e inflação, das condições mais gerais da economia. Foram alguns anos seguidos de mais crescimento. Mas tudo isso não é suficiente ainda para voltar para a condição que tínhamos em 2008. Quando o País perdeu a nota (de grau de investimento), em 2015, foi justamente porque houve uma deterioração fiscal significativa naquele momento. A gente não conseguiu ainda encontrar um momento de retomada mais consistente e crível da política fiscal para justificar voltarmos para o grau de investimento. Acho que isso não vai acontecer nos próximos dois anos. Vamos precisar esperar um novo governo em 2027 para – se tiver um ajuste fiscal mais crível e dependendo da solidez desse eventual próximo ajuste – a gente poder pensar em voltar a virar grau de investimento. Mas, hoje, a gente não tem condições fiscais para isso acontecer.
Houve uma precipitação da Moody’s?
Foi uma decisão com uma visão bastante otimista do cenário econômico, especialmente, porque esse cenário fiscal coloca desafios do ponto de vista do gerenciamento geral da economia. Já está trazendo dificuldades para o Banco Central na política monetária, coloca riscos via pressão de demanda na inflação como estamos vivenciando agora. No cenário econômico geral, a política fiscal é o centro dos problemas quando a gente olha a possibilidade do crescimento sustentável nos próximos anos. Então, por conta disso, não tem justificativa para nenhuma das três grandes agências pensar em transformar o país em grau de investimento num futuro próximo. Vamos precisar ter uma mudança muito mais crível e forte na agenda fiscal para conseguir ter esse grau de investimentos.
O arcabouço dá conta de fazer essa mudança? O arcabouço nunca deu conta, na verdade. Quando chegar no final de quatro anos desse governo Lula, provavelmente, haverá um aumento de dívida que vai ficar na casa de 12 pontos porcentuais. A gente saiu de 72% do PIB no final de 2022 para chegar, talvez, a 84% do PIB em 2026. Em quatro anos, (um aumento de) 12 pontos porcentuais está longe de ser um ajuste fiscal ideal. Essa ideia do governo de olhar a meta do primário, de que está entregando um déficit de 0,25% (do PIB) não é um déficit efetivo. É um déficit que, consistentemente, este ano, no próximo e, provavelmente, em 2026, vai ficar na casa de R$ 70 bilhões. Ou seja, a dívida continuará subindo. É inescapável a gente ter um arcabouço fiscal que evite esses buracos que estamos vendo acontecer recorrentemente e tenham um olhar para dívida. A gente está caminhando para, em algum momento, a partir de 2027, ter uma regra que, talvez, tenha de olhar para a dívida com mais intensidade. Não vai bastar olhar para uma meta de primário, dado que o que a gente tem de meta de primário hoje está artificialmente sendo alcançado, porque o déficit real é muito maior.
Fonte: Estadão