Senado aprova PL da desoneração após 3 meses de negociação
Parlamentares ainda vão votar sugestões de mudanças, e texto final pode ser alterado
Adriana Fernandes Cézar Feitoza
Brasília
Após mais de três meses de negociação, o plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (20) o projeto de lei que mantém a desoneração de empresas de 17 setores da economia e prefeituras com até 156 mil habitantes, como acordado com o governo.
A votação foi simbólica, sem registro de voto individual. Os únicos senadores contrários à proposta foram Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Magno Malta (PL-ES).
O líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), relator do projeto de lei, fez alterações de última hora, durante discussão no plenário. Os acordos fechados nos últimos minutos antes da votação não foram incluídos no relatório final da proposta e só vão ao papel no documento que será enviado à Câmara.
Nesse acordo, os senadores rejeitaram a proposta da equipe econômica de aumentar de 15% para 20% a alíquota do JCP (Juros sobre Capital Próprio). Usado por grandes empresas, o JCP permite que a remuneração a acionistas (distribuição de lucros) seja enquadrada como despesa —e, assim, abatida do Imposto de Renda.
A medida era defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para reforçar o caixa do governo em 2025, mas enfrentou fortes resistências ao aumento de impostos. Vários senadores criticaram a medida no plenário, e Jaques Wagner concordou em retirar a mudança no JCP.
O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestou contrário ao aumento de impostos em entrevista antes da votação, sinalizando que não concorda com a alta do JCP. Pacheco informou que tomou café da manhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para negociar a votação do projeto.
“Me permitindo fazer uma brincadeira aqui, se nós somássemos todas as fontes de compensação que foram apresentadas nos últimos dias, inclusive pelo Ministério da Fazenda, daria para pagar umas quatro desonerações [da folha] do pagamento”, disse o presidente do Senado.
Pacheco disse, ainda, que as fontes de receita apresentadas pelo Senado seriam “suficientes para bancar a desoneração sem alta de impostos”. O governo tentará, nas próximas semanas, retomar o aumento da alíquota do JCP no Congresso, por meio de um projeto de lei.
Outro ponto alterado de última hora e que gerou grande debate no plenário foi a regra estabelecida por Jaques Wagner, em relatório preliminar, que exigia que empresas beneficiadas pela desoneração mantivessem ou aumentassem o mesmo número de empregados durante a vigência do incentivo tributário.
No primeiro parecer, a cláusula era de manutenção integral (100%) de postos de trabalho. O percentual caiu no segundo relatório para 90%. No plenário, o acordo foi para estabelecer a manutenção dos empregos em 75%.
A manutenção dos empregos era uma demanda do presidente Lula e foi o tema que gerou mais debate durante a sessão no plenário. A proposta também era criticada por empresas.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), um dos principais críticos à cláusula proposta pelo governo, disse que a desoneração não garante a completa estabilidade das empresas, mas ajuda na conservação de empregos. Ele também destaca que determinados setores são sazonais, e as vagas de trabalho sofrem variações durante o ano.
“Aqui é o seguinte: se tem emprego é porque tem renda, tem consumidor, senão não tem, pelo amor de Deus, não existe. Um restaurante não contrata 50 garçons para ficar todo mundo olhando um para a cara do outro, ele contrata se tem pessoas para irem almoçar e jantar”, disse Omar.
Os senadores ainda recusaram mudanças no ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). A alteração sugerida pelo governo autorizava a Receita a assinar convênio com municípios para fiscalizar e cobrar o imposto.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a aprovação do projeto de lei é um “avanço institucional”. Ele não descartou, porém, que medidas adicionais de compensação sejam aprovadas até dezembro caso sejam necessárias.
“Nós concordamos com a estratégia proposta pelo presidente Rodrigo Pacheco de votar essas medidas, apurar o resultado [na arrecadação], para eventualmente tomar medidas adicionais. Então nós vamos proceder dessa maneira”, disse o ministro.
Como mostrou a Folha, o projeto contém duas medidas para facilitar e agilizar o resgate de precatórios abandonados e outros depósitos judiciais, que podem garantir entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em receitas para o governo federal e permitir o cumprimento da meta de déficit zero deste ano.
Senadores avaliam nos bastidores que o governo não deixou claro que as medidas tinham poder de arrecadação maior que o necessário para compensar a desoneração da folha. Por isso, eles descartam a aprovação do JCP no modelo apresentado pelo governo.
Mesmo tendo cedido em diversos pontos, Jaques Wagner comemorou a aprovação do projeto de lei que reonera gradativamente a folha de pagamento. “O governo Lula segue firme no propósito de garantir um ambiente de economia estável, para gerar emprego, aumentar a renda do povo, as vendas das empresas e a produção das indústrias, o que aquece a economia e desenvolve o país”, disse.
O projeto foi aprovado de forma simbólica (sem a contagem de votos) e segue, agora, para a Câmara dos Deputados —onde precisa ser aprovado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até 11 de setembro.
O prazo foi dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para que governo e Congresso chegassem a um acordo sobre o tema e apresentassem medidas de compensação para a perda de arrecadação.
O imbróglio envolvendo a desoneração está no centro de embates entre Legislativo e Executivo desde o ano passado. As cúpulas do Congresso e do governo Lula concordaram com a reoneração da folha em maio, e o acordo para as medidas de compensação foi articulado nos últimos três meses.
Wagner também incorporou um pacote proposto pelo Senado com medidas como a atualização do valor de bens (como imóveis) na declaração do Imposto de Renda, abertura de um novo prazo de repatriação de recursos no exterior e um Desenrola (programa de renegociação de dívidas) para empresas com multas e taxas vencidas cobradas pelas agências reguladoras.
Como antecipou a Folha, o relator inovou e incluiu ainda o corte de despesas obrigatórias como medida de compensação.
O relatório estabelece uma série de medidas que endurecem a legislação para auxiliar o combate fraude em benefícios como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), concedido a idosos e pessoas com deficiência, e o seguro-defeso, pago a pescadores artesanais durante o período em que a atividade é proibida para preservar a reprodução dos peixes.
As mudanças na legislação vão reforçar o pente-fino nesses benefícios anunciado pelo governo para conseguir uma economia de gastos de R$ 25,9 bilhões no ano que vem.
Durante as negociações, a perda de arrecadação estimada com a desoneração foi motivo de discórdia entre governo, senadores e empresários. Segundo Wagner, o Ministério da Fazenda calcula impacto de, aproximadamente, R$ 26 bilhões.
A necessidade de compensação para o atendimento de regra prevista na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) foi o argumento utilizado pela União para pedir ao STF a suspensão da desoneração em abril.
A desoneração da folha das empresas permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência. As alíquotas variam a depender de cada um dos 17 setores beneficiados.
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
Como fica a desoneração da folha de pagamentos para os 17 setores
Em 2024
- O benefício será integral
- As empresas pagam a CPRB (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta), o nome técnico da desoneração da folha
De 2025 a 2027
- Começa um processo de reoneração gradual a um ritmo de um quarto por ano
- O benefício passa a ser híbrido
- Enquanto a cobrança da CPRB começa a cair, contribuição sobre a folha de salários passa a ser cobrada: com alíquota de 5% em 2025; 10% em 2026 e 15% em 2027
- Não haverá cobrança do tributo majorado sobre a folha do 13º salário
A partir de 2028
- As empresas dos 17 setores passam a pagar a contribuição sobre a folha de salários de 20% —valor cobrado hoje das demais empresas que não são beneficiadas pela desoneração
- Não há mais cobrança pelo faturamento
Como fica a desoneração dos municípios de até 156 mil habitantes
Em 2024
Com alíquota desonerada de 8%
Em 2025
Alíquota sobe para 12%
Em 2026
Alíquota sobre para 16%
Em 2027 Alíquota volta para o patamar de 20%
Fonte: Folha de São Paulo