Votação a jato e força dos lobbies na reforma tributária deixam ajustes para o Senado

Acordos de última hora ampliaram exceções no projeto de regulamentação na Câmara e deixaram tarefa de alterações para a Casa vizinha

Adriana Fernandes Idiana Tomazelli Victoria Azevedo

Brasília


O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), comandou uma votação a jato do projeto de regulamentação da reforma tributária, com acordos de última hora que ampliaram exceções e deixaram ajustes para o Senado Federal.

Minérios, petróleo, medicamentos, carnes, salmão, atum, pão de forma, extrato de tomate, sal, insumos agropecuários, suco natural, produtores rurais, bares e restaurantes, cooperativas, óleo de milho, aveia, farinha, planos de saúde e de previdência privada, transporte regional, Zona Franca de Manaus, construção civil e setor imobiliário receberam benefícios na reta final da votação.

Eles compõem uma extensa lista de produtos e setores contemplados pela força dos lobbies que tomaram conta dos corredores da Câmara e até mesmo do plenário da Casa desde os dias que antecederam a votação até seu ápice nesta quarta-feira (10).

Até a apresentadora Xuxa entrou em campo para buscar apoio da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a uma emenda que garantiu tributação menor para planos de saúde de animais domésticos.

Do registro do substitutivo do relator, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), no sistema da Câmara até Lira anunciar a abertura do processo de votação, pouco antes das 19 horas, foram 17 horas de intensa negociação. Nesse intervalo, foram divulgados dois novos pareceres.

Após a aprovação do texto-base, ainda veio a cartada final com o anúncio da inclusão das carnes na lista de produtos da cesta básica nacional, que terá imposto zero. A mudança ocorreu momentos antes de o tema ser decidido no voto em plenário.

O tom da fala de Lopes foi de campanha eleitoral e, ao mesmo tempo, de alívio para a bancada do PT e de outras siglas aliadas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A disputa em torno da inclusão das carnes se transformou em argumento para ataques ao presidente da República, alimentando o ambiente de polarização e amplificado pelos discursos de parlamentares bolsonaristas que, da tribuna do plenário, acusavam Lula de tirar a picanha da população —em alusão à promessa de campanha do petista que falava em baratear o preço da carne.

Lira, que havia chamado a isenção das carnes de “insanidade” a interlocutores, acabou cedendo para não ser derrotado. Momentos antes de o tema ser discutido em plenário, um grupo de líderes partidários se dirigiu ao presidente da Câmara e, em uma conversa ao pé do ouvido, trataram de convencê-lo a recuar sob o argumento de que havia votos suficientes para aprovar a inclusão das carnes.

Uma última versão do relatório foi apresentada cinco minutos antes do início da votação, o que gerou protestos da oposição. Eles alegavam que os deputados estavam votando às escuras.

Para evitar riscos de contestação, o próprio presidente da Câmara teve que prestar esclarecimentos e dizer que abriu a votação depois de o relatório ter sido protocolado.

Após a conclusão da votação, Lira fez um discurso final recheado de números, para reforçar o seu ponto de vista de que houve tempo para discussão e que o modelo de criação de um grupo de trabalho com sete deputados dos maiores partidos para fazer o relatório foi plural e acertado.

Antes mesmo de a votação ter sido concluída, do outro lado do Congresso senadores já comentavam, em conversas reservadas, que a proposta não chegaria redonda ao Senado, sinalizando que a Casa vai desacelerar o ritmo de votação.

Essa percepção foi reforçada pela declaração do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), nesta quinta-feira (11). Em sua primeira manifestação após ser indicado para a função, Braga fez um apelo para que a proposta não tramite em regime de urgência constitucional, o que pressionaria a votação do texto pelos senadores em até 45 dias —sob pena de trancar a pauta e embarreirar os trabalhos da Casa.

O senador defendeu um calendário de audiências públicas e sessões temáticas com todos os setores da economia e da federação para discutir o projeto. Segundo Braga, isso será fundamental para assegurar transparência e a construção de um texto consensual, conforme orientação do próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Um senador afirma à reportagem, sob reserva, que o tema será analisado com calma na Casa, e que não haverá votação no “afogadilho”. Ele diz que nesse segundo momento, setores que não foram contemplados deverão aumentar a pressão sobre os senadores, e que é preciso tempo para avaliar as eventuais mudanças que serão feitas.

Outro senador de um partido aliado do governo comentava numa roda de conversas com deputados que a nova rodada de exceções será um complicador para as negociações no Senado diante do impacto das mudanças na alíquota média de 26,5%, estimada quando o projeto foi enviado pelo Executivo.

No Senado, quem não foi contemplado vai seguir a pressão. É o caso do setor de saneamento, que cobra tratamento diferenciado como o do setor de saúde.

As empresas mineradoras e de petróleo também vão continuar com a pressão para terem alíquota zero do IS (Imposto Seletivo). Na votação, as empresas de extração mineral conseguiram limitar a alíquota em 0,25%. A emenda constitucional da reforma permitia uma tributação de até 1%.

Na primeira versão do relatório, o teto de 0,25% foi estabelecido somente para o minério de ferro. Mas ao longo do dia as empresas de petróleo atuaram junto às bancadas partidárias para ter o mesmo tratamento, o que acabou acontecendo.

“O relatório dormiu de um jeito e acordou de outro. Aí, acordou com aquele negócio [só para minério de ferro]”, afirmou à Folha Roberto Ardenghy, presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo).

Segundo ele, o setor foi surpreendido com o primeiro relatório, mas ao final, a tese da isonomia prevaleceu. “Foi um entendimento correto do Congresso. Acabou sendo um resultado positivo para o cenário que a gente tinha anteriormente”, disse. O IBP tem expectativa de que conseguirá mostrar ao relator do Senado que a cobrança é indevida.

“O senador Eduardo Braga foi ministro de Minas e Energia e conhece isso profundamente. Tenho certeza que a gente vai ter um bom diálogo com ele, como levar esses argumentos e vamos ver se ele é sensível”, disse o presidente da entidade. No projeto aprovado na Câmara, a tributação apertou para os jogos de azar, carvão e carros elétricos.


Fonte: Folha de São Paulo

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